Principais períodos da história da
Filosofia
A Filosofia na História
Como todas as outras criações e
instituições humanas, a Filosofia está na História e tem uma história.
Está na História: a Filosofia
manifesta e exprime os problemas e as questões que, em cada época de uma
sociedade, os homens colocam para si mesmos, diante do que é novo e ainda não
foi compreendido. A Filosofia procura enfrentar essa novidade, oferecendo
caminhos, respostas e, sobretudo, propondo novas perguntas, num diálogo
permanente com a sociedade e a cultura de seu tempo, do qual ela faz parte.
Tem uma história: as respostas, as
soluções e as novas perguntas que os filósofos de uma época oferecem tornam-se
saberes adquiridos que outros filósofos prosseguem ou, freqüentemente,
tornam-se novos problemas que outros filósofos tentam resolver, seja
aproveitando o passado filosófico, seja criticando-o e refutando-o. Além disso,
as transformações nos modos de conhecer podem ampliar os campos de investigação
da Filosofia, fazendo surgir novas disciplinas filosóficas, como também podem
diminuir esses campos, porque alguns de seus conhecimentos podem desligar-se
dela e formar disciplinas separadas.
Assim, por exemplo, a Filosofia
teve seu campo de atividade aumentado quando, no século XVIII, surge a
filosofia da arte ou estética; no século XIX, a filosofia da história; no
século XX, a filosofia das ciências ou epistemologia, e a filosofia da
linguagem. Por outro lado, o campo da Filosofia diminuiu quando as ciências
particulares que dela faziam parte foram-se desligando para constituir suas
próprias esferas de investigação. É o que acontece, por exemplo, no século
XVIII, quando se desligam da Filosofia a biologia, a física e a química; e, no
século XX, as chamadas ciências humanas (psicologia, antropologia, história).
Pelo fato de estar na História e
ter uma história, a Filosofia costuma ser apresentada em grandes períodos que
acompanham, às vezes de maneira mais próxima, às vezes de maneira mais
distante, os períodos em que os historiadores dividem a História da sociedade
ocidental.
Os principais períodos da Filosofia
Filosofia antiga(do século VI a.C. ao século VI d.C.)
Compreende os quatro grandes
períodos da Filosofia greco-romana, indo dos pré-socráticos aos grandes
sistemas do período helenístico, mencionados no capítulo anterior.
Filosofia patrística (do século I ao século VII)
Inicia-se com as Epístolas de São
Paulo e o Evangelho de São João e termina no século VIII, quando teve início a
Filosofia medieval.
A patrística resultou do esforço
feito pelos dois apóstolos intelectuais (Paulo e João) e pelos primeiros Padres
da Igreja para conciliar a nova religião - o Cristianismo - com o pensamento
filosófico dos gregos e romanos, pois somente com tal conciliação seria
possível convencer os pagãos da nova verdade e convertê-los a ela. A Filosofia
patrística liga-se, portanto, à tarefa religiosa da evangelização e à defesa da
religião cristã contra os ataques teóricos e morais que recebia dos antigos.
Divide-se em patrística grega
(ligada à Igreja de Bizâncio) e patrística latina (ligada à Igreja de
Roma) e seus nomes mais importantes foram: Justino, Tertuliano, Atenágoras,
Orígenes, Clemente, Eusébio, Santo Ambrósio, São Gregório Nazianzo, São João
Crisóstomo, Isidoro de Sevilha, Santo Agostinho, Beda e Boécio.
A patrística foi obrigada a
introduzir idéias desconhecidas para os filósofos greco-romanos: a idéia de
criação do mundo, de pecado original, de Deus como trindade una, de encarnação
e morte de Deus, de juízo final ou de fim dos tempos e ressurreição dos mortos,
etc. Precisou também explicar como o mal pode existir no mundo, já que tudo foi
criado por Deus, que é pura perfeição e bondade. Introduziu, sobretudo com
Santo Agostinho e Boécio, a idéia de “homem interior”, isto é, da consciência
moral e do livre-arbítrio, pelo qual o homem se torna responsável pela
existência do mal no mundo.
Para impor as idéias cristãs, os
Padres da Igreja as transformaram em verdades reveladas por Deus (através da
Bíblia e dos santos) que, por serem decretos divinos, seriam dogmas,
isto é, irrefutáveis e inquestionáveis. Com isso, surge uma distinção,
desconhecida pelos antigos, entre verdades reveladas ou da fé e verdades da
razão ou humanas, isto é, entre verdades sobrenaturais e verdades naturais, as
primeiras introduzindo a noção de conhecimento recebido por uma graça divina,
superior ao simples conhecimento racional. Dessa forma, o grande tema de toda a
Filosofia patrística é o da possibilidade de conciliar razão e fé, e, a esse
respeito, havia três posições principais:
1.
Os que julgavam fé e razão irreconciliáveis e a fé superior à razão (diziam
eles: “Creio porque absurdo”).
2.
Os que julgavam fé e razão conciliáveis, mas subordinavam a razão à fé (diziam
eles: “Creio para compreender”).
3.
Os que julgavam razão e fé irreconciliáveis, mas afirmavam que cada uma delas
tem seu campo próprio de conhecimento e não devem misturar-se (a razão se
refere a tudo o que concerne à vida temporal dos homens no mundo; a fé, a tudo
o que se refere à salvação da alma e à vida eterna futura).
Filosofia medieval (do século VIII ao século XIV)
Abrange pensadores europeus,
árabes e judeus. É o período em que a Igreja Romana dominava a Europa, ungia e
coroava reis, organizava Cruzadas à Terra Santa e criava, à volta das
catedrais, as primeiras universidades ou escolas. E, a partir do século XII, por
ter sido ensinada nas escolas, a Filosofia medieval também é conhecida com o
nome de Escolástica.
A Filosofia medieval teve como
influências principais Platão e Aristóteles, embora o Platão que os medievais
conhecessem fosse o neoplatônico (vindo da Filosofia de Plotino, do século VI
d.C.), e o Aristóteles que conhecessem fosse aquele conservado e traduzido
pelos árabes, particularmente Avicena e Averróis.
Conservando e discutindo os mesmos
problemas que a patrística, a Filosofia medieval acrescentou outros -
particularmente um, conhecido com o nome de Problema dos Universais - e, além
de Platão e Aristóteles, sofreu uma grande influência das idéias de Santo
Agostinho. Durante esse período surge propriamente a Filosofia cristã, que é,
na verdade, a teologia. Um de seus temas mais constantes são as provas da
existência de Deus e da alma, isto é, demonstrações racionais da existência do
infinito criador e do espírito humano imortal.
A diferença e separação entre
infinito (Deus) e finito (homem, mundo), a diferença entre razão e fé (a
primeira deve subordinar-se à segunda), a diferença e separação entre corpo
(matéria) e alma (espírito), O Universo como uma hierarquia de seres, onde os
superiores dominam e governam os inferiores (Deus, arcanjos, anjos, alma, corpo,
animais, vegetais, minerais), a subordinação do poder temporal dos reis e
barões ao poder espiritual de papas e bispos: eis os grandes temas da Filosofia
medieval.
Outra característica marcante da
Escolástica foi o método por ela inventado para expor as idéias filosóficas,
conhecida como disputa: apresentava-se uma tese e esta devia ser ou
refutada ou defendida por argumentos tirados da Bíblia, de Aristóteles, de
Platão ou de outros Padres da Igreja.
Assim, uma idéia era considerada
uma tese verdadeira ou falsa dependendo da força e da qualidade dos argumentos
encontrados nos vários autores. Por causa desse método de disputa - teses,
refutações, defesas, respostas, conclusões baseadas em escritos de outros
autores -, costuma-se dizer que, na Idade Média, o pensamento estava
subordinado ao princípio da autoridade, isto é, uma idéia é considerada
verdadeira se for baseada nos argumentos de uma autoridade reconhecida (Bíblia,
Platão, Aristóteles, um papa, um santo).
Os teólogos medievais mais
importantes foram: Abelardo, Duns Scoto, Escoto Erígena, Santo Anselmo, Santo
Tomás de Aquino, Santo Alberto Magno, Guilherme de Ockham, Roger Bacon, São
Boaventura. Do lado árabe: Avicena, Averróis, Alfarabi e Algazáli. Do lado
judaico: Maimônides, Nahmanides, Yeudah bem Levi.
Filosofia da Renascença (do século XIV ao século XVI)
É marcada pela descoberta de obras
de Platão desconhecidas na Idade Média, de novas obras de Aristóteles, bem como
pela recuperação das obras dos grandes autores e artistas gregos e romanos.
São três as grandes linhas de
pensamento que predominavam na Renascença:
1.
Aquela proveniente de Platão, do neoplatonismo e da descoberta dos livros do
Hermetismo; nela se destacava a idéia da Natureza como um grande ser vivo; o
homem faz parte da Natureza como um microcosmo (como espelho do Universo
inteiro) e pode agir sobre ela através da magia natural, da alquimia e da
astrologia, pois o mundo é constituído por vínculos e ligações secretas (a
simpatia) entre as coisas; o homem pode, também, conhecer esses vínculos e
criar outros, como um deus.
2.
Aquela originária dos pensadores florentinos, que valorizava a vida ativa, isto
é, a política, e defendia os ideais republicanos das cidades italianas contra o
Império Romano-Germânico, isto é, contra o poderio dos papas e dos imperadores.
Na defesa do ideal republicano, os escritores resgataram autores políticos da
Antigüidade, historiadores e juristas, e propuseram a “imitação dos antigos” ou
o renascimento da liberdade política, anterior ao surgimento do império
eclesiástico.
3.
Aquela que propunha o ideal do homem como artífice de seu próprio destino,
tanto através dos conhecimentos (astrologia, magia, alquimia), quanto através
da política (o ideal republicano), das técnicas (medicina, arquitetura,
engenharia, navegação) e das artes (pintura, escultura, literatura, teatro).
A efervescência teórica e prática
foi alimentada com as grandes descobertas marítimas, que garantiam ao homem o
conhecimento de novos mares, novos céus, novas terras e novas gentes,
permitindo-lhe ter uma visão crítica de sua própria sociedade. Essa
efervescência cultural e política levou a críticas profundas à Igreja Romana,
culminando na Reforma Protestante, baseada na idéia de liberdade de crença e de
pensamento. À Reforma a Igreja respondeu com a Contra-Reforma e com o
recrudescimento do poder da Inquisição.
Os nomes mais importantes desse
período são: Dante, Marcílio Ficino, Giordano Bruno, Campannella, Maquiavel,
Montaigne, Erasmo, Tomás Morus, Jean Bodin, Kepler e Nicolau de Cusa.
Filosofia moderna (do século XVII a meados do século XVIII)
Esse período, conhecido como o
Grande Racionalismo Clássico, é marcado por três grandes mudanças intelectuais:
1.
Aquela conhecida como o “surgimento do sujeito do conhecimento”, isto é, a
Filosofia, em lugar de começar seu trabalho conhecendo a Natureza e Deus, para
depois referir-se ao homem, começa indagando qual é a capacidade do intelecto
humano para conhecer e demonstrar a verdade dos conhecimentos. Em outras
palavras, a Filosofia começa pela reflexão, isto é, pela volta do pensamento
sobre si mesmo para conhecer sua capacidade de conhecer.
O ponto de partida é o sujeito do
conhecimento como consciência de si reflexiva, isto é, como consciência que
conhece sua capacidade de conhecer. O sujeito do conhecimento é um intelecto no
interior de uma alma, cuja natureza ou substância é completamente diferente da
natureza ou substância de seu corpo e dos demais corpos exteriores.
Por isso, a segunda pergunta da
Filosofia, depois de respondida a pergunta sobre a capacidade de conhecer, é:
Como o espírito ou intelecto pode conhecer o que é diferente dele? Como pode
conhecer os corpos da Natureza?
2.
A resposta à pergunta acima constituiu a segunda grande mudança intelectual dos
modernos, e essa mudança diz respeito ao objeto do conhecimento. Para os modernos,
as coisas exteriores (a Natureza, a vida social e política) podem ser
conhecidas desde que sejam consideradas representações, ou seja, idéias ou
conceitos formulados pelo sujeito do conhecimento.
Isso significa, por um lado, que
tudo o que pode ser conhecido deve poder ser transformado num conceito ou numa
idéia clara e distinta, demonstrável e necessária, formulada pelo intelecto; e,
por outro lado, que a Natureza e a sociedade ou política podem ser inteiramente
conhecidas pelo sujeito, porque elas são inteligíveis em si mesmas, isto é, são
racionais em si mesmas e propensas a serem representadas pelas idéias do
sujeito do conhecimento.
3.
Essa concepção da realidade como intrinsecamente racional e que pode ser
plenamente captada pelas idéias e conceitos preparou a terceira grande mudança
intelectual moderna. A realidade, a partir de Galileu, é concebida como um
sistema racional de mecanismos físicos, cuja estrutura profunda e invisível é
matemática. O “livro do mundo”, diz Galileu, “está escrito em caracteres
matemáticos.”
A realidade, concebida como
sistema racional de mecanismos físico-matemáticos, deu origem à ciência
clássica, isto é, à mecânica, por meio da qual são descritos, explicados e
interpretados todos os fatos da realidade: astronomia, física, química,
psicologia, política, artes são disciplinas cujo conhecimento é de tipo
mecânico, ou seja, de relações necessárias de causa e efeito entre um agente e
um paciente.
A realidade é um sistema de
causalidades racionais rigorosas que podem ser conhecidas e transformadas pelo
homem. Nasce a idéia de experimentação e de tecnologia (conhecimento teórico
que orienta as intervenções práticas) e o ideal de que o homem poderá dominar
tecnicamente a Natureza e a sociedade.
Predomina, assim, nesse período, a
idéia de conquista científica e técnica de toda a realidade, a partir da
explicação mecânica e matemática do Universo e da invenção das máquinas, graças
às experiências físicas e químicas.
Existe também a convicção de que a
razão humana é capaz de conhecer a origem, as causas e os efeitos das paixões e
das emoções e, pela vontade orientada pelo intelecto, é capaz de governá-las e dominá-las,
de sorte que a vida ética pode ser plenamente racional.
A mesma convicção orienta o
racionalismo político, isto é, a idéia de que a razão é capaz de definir para
cada sociedade qual o melhor regime político e como mantê-lo racionalmente.
Nunca mais, na história da
Filosofia, haverá igual confiança nas capacidades e nos poderes da razão humana
como houve no Grande Racionalismo Clássico. Os principais pensadores desse
período foram: Francis Bacon, Descartes, Galileu, Pascal, Hobbes, Espinosa,
Leibniz, Malebranche, Locke, Berkeley, Newton, Gassendi.
Filosofia da Ilustração ou Iluminismo (meados do século XVIII ao
começo do século XIX)
Esse período também crê nos
poderes da razão, chamada de As Luzes (por isso, o nome Iluminismo). O
Iluminismo afirma que:
● pela razão, o homem pode
conquistar a liberdade e a felicidade social e política (a Filosofia da
Ilustração foi decisiva para as idéias da Revolução Francesa de 1789);
● a razão é capaz de evolução e
progresso, e o homem é um ser perfectível. A perfectibilidade consiste em
liberar-se dos preconceitos religiosos, sociais e morais, em libertar-se da
superstição e do medo, graças as conhecimento, às ciências, às artes e à moral;
● o aperfeiçoamento da razão se
realiza pelo progresso das civilizações, que vão das mais atrasadas (também
chamadas de “primitivas” ou “selvagens”) às mais adiantadas e perfeitas (as da
Europa Ocidental);
● há diferença entre Natureza e
civilização, isto é, a Natureza é o reino das relações necessárias de causa e
efeito ou das leis naturais universais e imutáveis, enquanto a civilização é o
reino da liberdade e da finalidade proposta pela vontade livre dos próprios
homens, em seu aperfeiçoamento moral, técnico e político.
Nesse período há grande interesse
pelas ciências que se relacionam com a idéia de evolução e, por isso, a
biologia terá um lugar central no pensamento ilustrado, pertencendo ao campo da
filosofia da vida. Há igualmente grande interesse e preocupação com as artes,
na medida em que elas são as expressões por excelência do grau de progresso de
uma civilização.
Data também desse período o
interesse pela compreensão das bases econômicas da vida social e política,
surgindo uma reflexão sobre a origem e a forma das riquezas das nações, com uma
controvérsia sobre a importância maior ou menor da agricultura e do comércio,
controvérsia que se exprime em duas correntes do pensamento econômico: a corrente
fisiocrata (a agricultura é a fonte principal das riquezas) e a mercantilista
(o comércio é a fonte principal da riqueza das nações).
Os principais pensadores do
período foram: Hume, Voltaire, D’Alembert, Diderot, Rousseau, Kant, Fichte e
Schelling (embora este último costume ser colocado como filósofo do
Romantismo).
Aspectos da Filosofia contemporânea
As questões discutidas pela Filosofia contemporânea
História e progresso
O século XIX é, na Filosofia, o
grande século da descoberta da História ou da historicidade do homem, da
sociedade, das ciências e das artes. É particularmente com o filósofo alemão
Hegel que se afirma que a História é o modo de ser da razão e da verdade, o
modo de ser dos seres humanos e que, portanto, somos seres históricos.
No século passado, essa concepção
levou à idéia de progresso, isto é, de que os seres humanos, as
sociedades, as ciências, as artes e as técnicas melhoram com o passar do tempo,
acumulam conhecimento e práticas, aperfeiçoando-se cada vez mais, de modo que o
presente é melhor e superior, se comparado ao passado, e o futuro será melhor e
superior, se comparado ao presente.
Essa visão otimista também foi
desenvolvida na França pelo filósofo Augusto Comte, que atribuía o progresso ao
desenvolvimento das ciências positivas. Essas ciências permitiriam aos seres
humanos “saber para prever, prever para prover”, de modo que o desenvolvimento
social se faria por aumento do conhecimento científico e do controle científico
da sociedade. É de Comte a idéia de “Ordem e Progresso”, que viria a fazer
parte da bandeira do Brasil republicano.
No entanto, no século XX, a mesma
afirmação da historicidade dos seres humanos, da razão e da sociedade levou à
idéia de que a História é descontínua e não progressiva, cada sociedade tendo
sua História própria em vez de ser apenas uma etapa numa História universal das
civilizações.
A idéia de progresso passa a ser
criticada porque serve como desculpa para legitimar colonialismos e
imperialismos (os mais “adiantados” teriam o direito de dominar os mais
“atrasados”). Passa a ser criticada também a idéia de progresso das ciências e
das técnicas, mostrando-se que, em cada época histórica e para cada sociedade,
os conhecimentos e as práticas possuem sentido e valor próprios, e que tal
sentido e tal valor desaparecem numa época seguinte ou são diferentes numa
outra sociedade, não havendo, portanto, transformação contínua, acumulativa e
progressiva. O passado foi o passado, o presente é o presente e o futuro será o
futuro.
As ciências e as técnicas
No século XIX, entusiasmada com as
ciências e as técnicas, bem como com a Segunda Revolução Industrial, a
Filosofia afirmava a confiança plena e total no saber científico e na
tecnologia para dominar e controlar a Natureza, a sociedade e os indivíduos.
Acreditava-se que a sociologia,
por exemplo, nos ofereceria um saber seguro e definitivo sobre o modo de
funcionamento das sociedades e que os seres humanos poderiam organizar
racionalmente o social, evitando revoluções, revoltas e desigualdades.
Acreditava-se, também, que a
psicologia ensinaria definitivamente como é e como funciona a psique humana,
quais as causas dos comportamentos e os meios de controlá-los, quais as causas
das emoções e os meios de controlá-las, de tal modo que seria possível livrar-nos
das angústias, do medo, da loucura, assim como seria possível uma pedagogia
baseada nos conhecimentos científicos e que permitiria não só adaptar
perfeitamente as crianças às exigências da sociedade, como também educá-las
segundo suas vocações e potencialidades psicológicas.
No entanto, no século XX, a
Filosofia passou a desconfiar do otimismo científico-tecnológico do século
anterior em virtude de vários acontecimentos: as duas guerras mundiais, o
bombardeio de Hiroshima e Nagasaki, os campos de concentração nazistas, as
guerras da Coréia, do Vietnã, do Oriente Médio, do Afeganistão, as invasões
comunistas da Hungria e da Tchecoslováquia, as ditaduras sangrentas da América
Latina, a devastação de mares, florestas e terras, os perigos cancerígenos de
alimentos e remédios, o aumento de distúrbios e sofrimentos mentais, etc.
Uma escola alemã de Filosofia, a
Escola de Frankfurt, elaborou uma concepção conhecida como Teoria Crítica, na
qual distingue duas formas da razão: a razão instrumental e a razão
crítica.
A razão instrumental é a razão
técnico-científica, que faz das ciências e das técnicas não um meio de
liberação dos seres humanos, mas um meio de intimidação, medo, terror e
desespero. Ao contrário, a razão crítica é aquela que analisa e interpreta os
limites e os perigos do pensamento instrumental e afirma que as mudanças
sociais, políticas e culturais só se realizarão verdadeiramente se tiverem como
finalidade a emancipação do gênero humano e não as idéias de controle e domínio
técnico-científico sobre a Natureza, a sociedade e a cultura.
As utopias revolucionárias
No século XIX, em decorrência do
otimismo trazido pelas idéias de progresso, desenvolvimento técnico-científico,
poderio humano para construir uma vida justa e feliz, a Filosofia apostou nas
utopias revolucionárias - anarquismo, socialismo, comunismo -, que criariam,
graças à ação política consciente dos explorados e oprimidos, uma sociedade
nova, justa e feliz.
No entanto, no século XX, com o
surgimento das chamadas sociedades totalitárias - fascismo, nazismo, stalinismo
- e com o aumento do poder das sociedades autoritárias ou ditatoriais, a
Filosofia também passou a desconfiar do otimismo revolucionário e das utopias e
a indagar se os seres humanos, os explorados e dominados serão capazes de criar
e manter uma sociedade nova, justa e feliz.
O crescimento das chamadas
burocracias - que dominam as organizações estatais, empresariais,
político-partidárias, escolares, hospitalares - levou a Filosofia a indagar
como os seres humanos poderiam derrubar esse imenso poderio que os governa
secretamente, que eles desconhecem e que determina suas vidas cotidianas, desde
o nascimento até a morte.
A cultura
No século XIX, a Filosofia
descobre a Cultura como o modo próprio e específico da existência dos seres
humanos. Os animais são seres naturais; os humanos, seres culturais. A Natureza
é governada por leis necessárias de causa e efeito; a Cultura é o exercício da
liberdade.
A cultura é a criação coletiva de
idéias, símbolos e valores pelos quais uma sociedade define para si mesma o bom
e o mau, o belo e o feio, o justo e o injusto, o verdadeiro e o falso, o puro e
o impuro, o possível e o impossível, o inevitável e o casual, o sagrado e o
profano, o espaço e o tempo. A Cultura se realiza porque os humanos são capazes
de linguagem, trabalho e relação com o tempo. A Cultura se manifesta como vida
social, como criação das obras de pensamento e de arte, como vida religiosa e
vida política.
Para a Filosofia do século XIX, em
consonância com sua idéia de uma História universal das civilizações, haveria
uma única grande Cultura em desenvolvimento, da qual as diferentes culturas
seriam fases ou etapas. Para alguns, como os filósofos que seguiam as idéias de
Hegel, o movimento do desenvolvimento cultural era progressivo.
Para outros, chamados de filósofos
românticos ou adeptos da filosofia do Romantismo, as culturas não formavam uma
seqüência progressiva, mas eram culturas nacionais. Assim, cabia à Filosofia
conhecer o “espírito de um povo” conhecendo as origens e as raízes de cada
cultura, pois o mais importante de uma cultura não se encontraria em seu
futuro, mas no seu passado, isto é, nas tradições, no folclore nacional.
No entanto, no século XX, a
Filosofia, afirmando que a História é descontínua, também afirma que não há a
Cultura, mas culturas diferentes, e que a pluralidade de culturas e
as diferenças entre elas não se devem à nação, pois a idéia de nação é uma
criação cultural e não a causa das diferenças culturais.
Cada cultura inventa seu modo de
relacionar-se com o tempo, de criar sua linguagem, de elaborar seus mitos e
suas crenças, de organizar o trabalho e as relações sociais, de criar as obras
de pensamento e de arte. Cada uma, em decorrência das condições históricas,
geográficas e políticas em que se forma, tem seu modo próprio de organizar o
poder e a autoridade, de produzir seus valores.
Contra a filosofia da cultura
universal, a Filosofia do século XX nega que haja uma única cultura em
progresso e afirma a existência da pluralidade cultural. Contra a filosofia
romântica das culturas nacionais como expressão do “espírito do povo” e do
conjunto de tradições, a Filosofia do século XX nega que a nacionalidade seja
causa das culturas (as nacionalidades são efeitos culturais temporários) e
afirma que cada cultura se relaciona com outras e encontra dentro de si seus
modos de transformação. Dessa maneira, o presente está voltado para o futuro, e
não para o conservadorismo do passado.
O fim da Filosofia
No século XIX, o otimismo
positivista ou cientificista levou a Filosofia a supor que, no futuro, só
haveria ciências, e que todos os conhecimentos e todas as explicações seriam
dados por elas. Assim, a própria Filosofia poderia desaparecer, não tendo
motivo para existir.
No entanto, no século XX, a
Filosofia passou a mostrar que as ciências não possuem princípios totalmente
certos, seguros e rigorosos para as investigações, que os resultados podem ser
duvidosos e precários, e que, freqüentemente, uma ciência desconhece até onde
pode ir e quando está entrando no campo de investigação de uma outra.
Os princípios, os métodos, os
conceitos e os resultados de uma ciência podem estar totalmente equivocados ou
desprovidos de fundamento. Com isso, a Filosofia voltou a afirmar seu papel de
compreensão e interpretação crítica das ciências, discutindo a validade de seus
princípios, procedimentos de pesquisa, resultados, de suas formas de exposição
dos dados e das conclusões, etc.
Foram preocupações com a falta de
rigor das ciências que levaram o filósofo alemão Husserl a propor que a
Filosofia fosse o estudo e o conhecimento rigoroso da possibilidade do próprio
conhecimento científico, examinando os fundamentos, os métodos e os resultados
das ciências. Foram também preocupações como essas que levaram filósofos como
Bertrand Russel e Quine a estudar a linguagem científica, a discutir os
problemas lógicos das ciências e a mostrar os paradoxos e os limites do
conhecimento científico.
A maioridade da razão
No século XIX, o otimismo
filosófico levava a Filosofia a afirmar que, enfim, os seres humanos haviam
alcançado a maioridade racional, e que a razão se desenvolvia plenamente para
que o conhecimento completo da realidade e das ações humanas fosse atingido.
No entanto, Marx, no final do
século XIX, e Freud, no início do século XX, puseram em questão esse otimismo
racionalista. Marx e Freud, cada qual em seu campo de investigação e cada qual
voltado para diferentes aspectos da ação humana - Marx, voltado para a economia
e a política; Freud, voltado para as perturbações e os sofrimentos psíquicos -,
fizeram descobertas que, até agora, continuam impondo questões filosóficas. Que
descobriram eles?
Marx descobriu que temos a ilusão
de estarmos pensando e agindo com nossa própria cabeça e por nossa própria
vontade, racional e livremente, de acordo com nosso entendimento e nossa
liberdade, porque desconhecemos um poder invisível que nos força a pensar como
pensamos e agir como agimos. A esse poder - que é social - ele deu o nome de ideologia.
Freud, por sua vez, mostrou que os
seres humanos têm a ilusão de que tudo quanto pensam, fazem, sentem e desejam,
tudo quanto dizem ou calam estaria sob o controle de nossa consciência porque
desconhecemos a existência de uma força invisível, de um poder - que é psíquico
e social - que atua sobre nossa consciência sem que ela o saiba. A esse poder
que domina e controla invisível e profundamente nossa vida consciente, ele deu
o nome de inconsciente.
Diante dessas duas descobertas, a
Filosofia se viu forçada a reabrir a discussão sobre o que é e o que pode a
razão, sobre o que é e o que pode a consciência reflexiva ou o sujeito do
conhecimento, sobre o que são e o que podem as aparências e as ilusões.
Ao mesmo tempo, a Filosofia teve
que reabrir as discussões éticas e morais: O homem é realmente livre ou é
inteiramente condicionado pela sua situação psíquica e histórica? Se for
inteiramente condicionado, então a História e a cultura são causalidades
necessárias como a Natureza? Ou seria mais correto indagar: Como os seres
humanos conquistam a liberdade em meio a todos os condicionamentos psíquicos,
históricos, econômicos, culturais em que vivem?
Infinito e finito
O século XIX prosseguiu uma
tradição filosófica que veio desde a Antigüidade e que foi muito alimentada
pelo pensamento cristão. Nessa tradição, o mais importante sempre foi a idéia
do infinito, isto é, da Natureza eterna (dos gregos), do Deus eterno (dos
cristãos), do desenvolvimento pleno e total da História ou do tempo como
totalização de todos os seus momentos ou suas etapas. Prevalecia a idéia de
todo ou de totalidade, da qual os humanos fazem parte e na qual os humanos
participam.
No entanto, a Filosofia do século
XX tendeu a dar maior importância ao finito, isto é, ao que surge e desaparece,
ao que tem fronteiras e limites. Esse interesse pelo finito aparece, por
exemplo, numa corrente filosófica (entre os anos 30 e 50) chamada
existencialismo e que definiu o humano ou o homem como “um ser para a morte”,
isto é, um ser que sabe que termina e que precisa encontrar em si mesmo o
sentido de sua existência.
Para a maioria dos
existencialistas, dois eram os modos privilegiados de o homem aceitar e
enfrentar sua finitude: através das artes e através da ação
político-revolucionária. Nessas formas excepcionais da atividade, os humanos
seriam capazes de dar sentido à brevidade e finitude de suas vidas.
Um outro exemplo do interesse pela
finitude aparece no que se costuma chamar de filosofia da diferença, isto é,
naquela filosofia que se interessa menos pelas semelhanças e identidades e
muito mais pela singularidade e particularidade.
É assim, por exemplo, que tal
filosofia, inspirando-se nos trabalhos dos antropólogos, interessa-se pela
diversidade, pluralidade, singularidade das diferentes culturas, em lugar de
voltar-se para a idéia de uma cultura universal, que foi, no século XIX, uma
das imagens do infinito, isto é, de uma totalidade que conteria dentro de si,
como suas partes ou seus momentos, as diferentes culturas singulares.
Enfim, um outro exemplo de interesse
pela finitude aparece quando a Filosofia, em vez de buscar uma ciência
universal que conteria dentro de si todas as ciências particulares,
interessa-se pela multiplicidade e pela diferença entre as ciências, pelos
limites de cada uma delas e sobretudo por seus impasses e problemas insolúveis.
Retirado do livro:
Convite à Filosofia
De Marilena Chaui
Ed. Ática, São Paulo, 2000.
Unidade 1
A Filosofia (Capítulo 4 e 5).
Questionário:
1. O
que foi a patrística?
2. Apresente
as principais características da filosofia medieval.
3. Quais
as principais características do período moderno da filosofia?
4. O
que quer dizer Ilustração ou Iluminismo?
5. Qual
a diferença entre o século XIX e o XX quanto à idéia de história?
6. Qual
a diferença entre o século XIX e o XX quanto à confiança nas ciências?
7. O
que é finitude e por que a filosofia se interessa por ela?
8. Explique
a diferença entre período medieval e o renascentista.
9. Qual
o nome da concepção elaborada pela Escola de Frankfurt? Quais são suas
distinções e o significado de cada uma?
10. Examine
as diferenças entre século XIX e o XX e comente o otimismo do primeiro e o
pessimismo do segundo.
O texto que estamos trabalhando, "As ciências". Qual outro assunto como nota, Freqüência, etc, trataremos no Colégio. Ok?
ResponderExcluirExamine as diferenças entre século 19 e o 20 e comente o otimismo do primeiro e o pessimismo do segundo .
Excluir