tag:blogger.com,1999:blog-26564301846494376512023-11-15T13:13:07.584-03:00Blog do ElíDioElídio Remígio Filhohttp://www.blogger.com/profile/01269614556676149130noreply@blogger.comBlogger10125tag:blogger.com,1999:blog-2656430184649437651.post-84085931250207013702011-12-23T11:09:00.000-02:002012-02-04T00:22:16.681-02:00As Ciências<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="ChauiCaptulo">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Texto: I<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiCaptulo">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">As ciências<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiCaptulo">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">A atitude científica<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo1">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O senso comum</span><br />
<a name='more'></a><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O Sol é menor do que a Terra. Quem
duvidará disso se, diariamente, vemos um pequeno círculo avermelhado percorrer
o céu, indo de leste para oeste?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O Sol se move em torno da Terra,
que permanece imóvel. Quem duvidará disso, se diariamente vemos o Sol nascer,
percorrer o céu e se pôr? A aurora não é o seu começo e o crepúsculo, seu fim?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">As cores existem em si mesmas.
Quem duvidará disso, </span><br />
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">se passamos a vida vendo rosas vermelhas, amarelas e
brancas, o azul do céu, o verde das árvores, o alaranjado da laranja e da
tangerina?</span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Cada gênero e espécie de animal já
surgiram tais como os conhecemos. Alguém poderia imaginar um peixe tornar-se
réptil ou um pássaro? Para os que são religiosos, os livros sagrados não
ensinam que a divindade criou de uma só vez todos os animais, num só dia?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A família é uma realidade natural
criada pela Natureza para garantir a sobrevivência humana e para atender à
afetividade natural dos humanos, que sentem a necessidade de viver juntos. Quem
duvidará disso, se vemos, no mundo inteiro, no passado e no presente, a família
existindo naturalmente e sendo a célula primeira da sociedade?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A raça é uma realidade natural ou
biológica produzida pela diferença dos climas, da alimentação, da geografia e
da reprodução sexual. Quem duvidará disso, se vemos que os africanos são
negros, os asiáticos são amarelos de olhos puxados, os índios são vermelhos e
os europeus, brancos? Se formos religiosos, saberemos que os negros descendem
de Caim, marcado por Deus, e de Cam, o filho desobediente de Noé.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Certezas como essas formam nossa
vida e o senso comum de nossa sociedade, transmitido de geração em geração, e,
muitas vezes, transformando-se em crença religiosa, em doutrina inquestionável.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A astronomia, porém, demonstra que
o Sol é muitas vezes maior do que a Terra e, desde Copérnico, que é a Terra que
se move em torno dele. A física óptica demonstra que as cores são ondas
luminosas de comprimentos diferentes, obtidas pela refração e reflexão, ou
decomposição, da luz branca. A biologia demonstra que os gêneros e as espécies
de animais se formaram lentamente, no curso de milhões de anos, a partir de
modificações de microorganismos extremamente simples.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Historiadores e antropólogos
mostram que o que entendemos por família (pai, mãe, filhos; esposa, marido,
irmãos) é uma instituição social recentíssima – data do século XV – e própria
da Europa ocidental, não existindo na Antiguidade, nem nas sociedades
africanas, asiáticas e americanas pré-colombianas. Mostram também que não é um
fato natural, mas uma criação sociocultural, exigida por condições históricas
determinadas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Sociólogos e antropólogos mostram
que a idéia de raça também é recente – data do século XVIII -, sendo usada por
pensadores que procuravam uma explicação para as diferenças físicas e culturais
entre os europeus e os povos conhecidos a partir do século XIV, com as viagens
de Marco Pólo, e do século XV, com as grandes navegações e as descobertas de
continentes ultramarinos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Ao que parece, há uma grande
diferença entre nossas certezas cotidianas e o conhecimento científico. Como e
por que ela existe?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo1">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Características do senso comum<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Um breve exame de nossos saberes
cotidianos e do senso comum de nossa sociedade revela que possuem algumas
características que lhes são próprias:<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● são subjetivos, isto é, exprimem
sentimentos e opiniões individuais e de grupos, variando de uma pessoa para
outra, ou de um grupo para outro, dependendo das condições em que vivemos.
Assim, por exemplo, se eu for artista, verei a beleza da árvore; se eu for
marceneira, a qualidade da madeira; se estiver passeando sob o Sol, a sombra
para descansar; se for bóia-fria, os frutos que devo colher para ganhar o meu
dia. Se eu for hindu, uma vaca será sagrada para mim; se for dona de um
frigorífico, estarei interessada na qualidade e na quantidade de carne que
poderei vender;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● são qualitativos, isto é, as
coisas são julgadas por nós como grandes ou pequenas, doces ou azedas, pesadas
ou leves, novas ou velhas, belas ou feias, quentes ou frias, úteis ou inúteis,
desejáveis ou indesejáveis, coloridas ou sem cor, com sabor, odor, próximas ou
distantes, etc.;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● são heterogêneos, isto é,
referem-se a fatos que julgamos diferentes, porque os percebemos como diversos
entre si. Por exemplo, um corpo que cai e uma pena que flutua no ar são
acontecimentos diferentes; sonhar com água é diferente de sonhar com uma
escada, etc.;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● são individualizadores por serem
qualitativos e heterogêneos, isto é, cada coisa ou cada fato nos aparece como
um indivíduo ou como um ser autônomo: a seda é macia, a pedra é rugosa, o
algodão é áspero, o mel é doce, o fogo é quente, o mármore é frio, a madeira é
dura, etc.;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● mas também são generalizadores,
pois tendem a reunir numa só opinião ou numa só idéia coisas e fatos julgados
semelhantes: falamos dos animais, das plantas, dos seres humanos, dos astros,
dos gatos, das mulheres, das crianças, das esculturas, das pinturas, das
bebidas, dos remédios, etc.;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● em decorrência das
generalizações, tendem a estabelecer relações de causa e efeito entre as coisas
ou entre os fatos: “onde há fumaça, há fogo”; “quem tudo quer, tudo perde”;
“dize-me com quem andas e te direi quem és”; a posição dos astros determina o
destino das pessoas; mulher menstruada não deve tomar banho frio; ingerir sal
quando se tem tontura é bom para a pressão; mulher assanhada quem ser
estuprada; menino de rua é delinqüente, etc.;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● não se surpreendem e nem se
admiram com a regularidade, constância, repetição e diferença das coisas, mas,
ao contrário, a admiração e o espanto se dirigem para o que é imaginado como
único, extraordinário, maravilhoso ou miraculoso. Justamente por isso, em nossa
sociedade, a propaganda e a moda estão sempre inventando o “extraordinário”, o
“nunca visto”;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● pelo mesmo motivo e não por
compreenderem o que seja investigação científica, tendem a identificá-la com a
magia, considerando que ambas lidam com o misterioso, o oculto, o
incompreensível. Essa imagem da ciência como magia aparece, por exemplo, no
cinema, quando os filmes mostram os laboratórios científicos repletos de
objetos incompreensíveis, com luzes que acendem e apagam, tubos de onde saem
fumaças coloridas, exatamente como são mostradas as cavernas ocultas dos magos.
Essa mesma identificação entre ciência e magia aparece num programa da
televisão brasileira, o <i>Fantástico</i>, que, como o nome indica, mostra aos
telespectadores resultados científicos como se fossem espantosa obra de magia,
assim como exibem magos ocultistas como se fossem cientistas;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● costumam projetar nas coisas ou
no mundo sentimentos de angústia e de medo diante do desconhecido. Assim,
durante a Idade Média, as pessoas viam o demônio em toda a parte e, hoje,
enxergam discos voadores no espaço;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● por serem subjetivos,
generalizadores, expressões de sentimentos de medo e angústia, e de
incompreensão quanto ao trabalho científico, nossas certezas cotidianas e o
senso comum de nossa sociedade ou de nosso grupo social cristalizam-se em
preconceitos com os quais passamos a interpretar toda a realidade que nos cerca
e todos os acontecimentos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo1">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A atitude científica<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O que distingue a atitude
científica da atitude costumeira ou do senso comum? Antes de qualquer coisa, a
ciência <b>desconfia</b> da veracidade de nossas certezas, de nossa adesão
imediata às coisas, da ausência de crítica e da falta de curiosidade. Por isso,
ali onde vemos coisas, fatos e acontecimentos, a atitude científica vê <b>problemas</b>
e <b>obstáculos</b>, aparências que precisam ser explicadas e, em certos casos,
afastadas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Sob quase todos os aspectos,
podemos dizer que o conhecimento científico opõe-se ponto por ponto às
características do senso comum:<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● é objetivo, isto é, procura as
estruturas universais e necessárias das coisas investigadas;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● é quantitativo, isto é, busca
medidas, padrões, critérios de comparação e avaliação para coisas que parecem
ser diferentes. Assim, por exemplo, as diferenças de cor são explicadas por
diferenças de um mesmo padrão ou critério de medida, o comprimento das ondas
luminosas; as diferenças de intensidade dos sons, pelo comprimento das ondas
sonoras; as diferenças de tamanho, pelas diferenças de perspectiva e de ângulos
de visão, etc.;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● é homogêneo, isto é, busca as
leis gerais de funcionamento dos fenômenos, que são as mesmas para fatos que
nos parecem diferentes. Por exemplo, a lei universal da gravitação demonstra
que a queda de uma pedra e a flutuação de uma pluma obedecem à mesma lei de
atração e repulsão no interior do campo gravitacional; a estrela da manhã e a
estrela da tarde são o mesmo planeta, Vênus, visto em posições diferentes com
relação ao Sol, em decorrência do movimento da Terra; sonhar com água e com uma
escada é ter o mesmo tipo de sonho, qual seja, a realização dos desejos sexuais
reprimidos, etc.;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● é generalizador, pois reúne
individualidades, percebidas como diferentes, sob as mesmas leis, os mesmos
padrões ou critérios de medida, mostrando que possuem a mesma estrutura. Assim,
por exemplo, a química mostra que a enorme variedade de corpos se reduz a um
número limitado de corpos simples que se combinam de maneiras variadas, de modo
que o número de elementos é infinitamente menor do que a variedade empírica dos
compostos;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● são diferenciadores, pois não
reúnem nem generalizam por semelhanças aparentes, mas distinguem os que parecem
iguais, desde que obedeçam a estruturas diferentes. Lembremos aqui um exemplo
que usamos no capítulo sobre a linguagem, quando mostramos que a palavra <i>queijo</i>
parece ser a mesma coisa que a palavra inglesa <i>cheese</i> e a palavra
francesa <i>fromage</i>, quando, na realidade, são muito diferentes, porque se
referem a estruturas alimentares diferentes;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● só estabelecem relações causais
depois de investigar a natureza ou estrutura do fato estudado e suas relações
com outros semelhantes ou diferentes. Assim, por exemplo, um corpo não cai <b>porque</b>
é pesado, mas o peso de um corpo <b>depende</b> do campo gravitacional onde se
encontra – é por isso que, nas naves espaciais, onde a gravidade é igual a
zero, <b>todos</b> os corpos flutuam, independentemente do peso ou do tamanho;
um corpo tem uma certa cor não <b>porque</b> é colorido, mas porque, <b>dependendo</b>
de sua composição química e física, reflete a luz de uma determinada maneira,
etc.;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● surpreende-se com a
regularidade, a constância, a freqüência, a repetição e a diferença das coisas
e procura mostrar que o maravilhoso, o extraordinário ou o “milagroso” é um
caso particular do que é regular, normal, freqüente. Um eclipse, um terremoto,
um furacão, embora excepcionais, obedecem às leis da física. Procura, assim,
apresentar explicações racionais, claras, simples e verdadeiras para os fatos,
opondo-se ao espetacular, ao mágico e ao fantástico;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● distingue-se da magia. A magia
admite uma participação ou simpatia secreta entre coisas diferentes, que agem
umas sobre as outras por meio de qualidades ocultas e considera o psiquismo
humano uma força capaz de ligar-se a psiquismos superiores (planetários,
astrais, angélicos, demoníacos) para provocar efeitos inesperados nas coisas e
nas pessoas. A atitude científica, ao contrário, opera um desencantamento ou
desenfeitiçamento do mundo, mostrando que nele não agem forças secretas, mas
causas e relações racionais que podem ser conhecidas e que tais conhecimentos
podem ser transmitidos a todos;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● afirma que, pelo conhecimento, o
homem pode libertar-se do medo e das superstições, deixando de projetá-los no
mundo e nos outros;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● procura renovar-se e
modificar-se continuamente, evitando a transformação das teorias em doutrinas,
e destas em preconceitos sociais. O fato científico resulta de um <b>trabalho</b>
paciente e lento de investigação e de pesquisa racional, aberto a mudanças, não
sendo nem um mistério incompreensível nem uma doutrina geral sobre o mundo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Os fatos ou objetos científicos
não são dados empíricos espontâneos de nossa experiência cotidiana, mas são <b>construídos</b>
pelo trabalho da investigação científica. Esta é um conjunto de atividades
intelectuais, experimentais e técnicas, realizadas com base em <b>métodos</b>
que permitem e garantem:<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● separar os elementos subjetivos
e objetivos de um fenômeno;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● construir o fenômeno como um
objeto do conhecimento, controlável, verificável, interpretável e capaz de ser
retificado e corrigido por novas elaborações;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● demonstrar e provar os
resultados obtidos durante a investigação, graças ao rigor das relações
definidas entre os fatos estudados; a demonstração deve ser feita não só para
verificar a validade dos resultados obtidos, mas também para <b>prever</b>
racionalmente novos fatos como efeitos dos já estudados;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● relacionar com outros fatos um
fato isolado, integrando-o numa explicação racional unificada, pois somente
essa integração transforma o fenômeno em objeto científico, isto é, em fato
explicado por uma teoria;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● formular uma teoria geral sobre
o conjunto dos fenômenos observados e dos fatos investigados, isto é, formular
um conjunto sistemático de conceitos que expliquem e interpretem as causas e os
efeitos, as relações de dependência, identidade e diferença entre todos os
objetos que constituem o campo investigado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Delimitar ou definir os fatos a
investigar, separando-os de outros semelhantes ou diferentes; estabelecer os
procedimentos metodológicos para observação, experimentação e verificação dos
fatos; construir instrumentos técnicos e condições de laboratório específicas para
a pesquisa; elaborar um conjunto sistemático de conceitos que formem a teoria
geral dos fenômenos estudados, que controlem e guiem o andamento da pesquisa,
além de ampliá-la com novas investigações, e permitam a previsão de fatos novos
a partir dos já conhecidos: esses são os pré-requisitos para a constituição de
uma ciência e as exigências da própria ciência.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A ciência distingue-se do senso
comum porque este é uma opinião baseada em hábitos, preconceitos, tradições
cristalizadas, enquanto a primeira baseia-se em pesquisas, investigações
metódicas e sistemáticas e na exigência de que as teorias sejam internamente
coerentes e digam a verdade sobre a realidade. A ciência é <b>conhecimento</b>
que resulta de um trabalho racional.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O que é uma teoria científica?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">É um sistema ordenado e coerente
de proposições ou enunciados baseados em um pequeno número de princípios, cuja
finalidade é descrever, explicar e prever do modo mais completo possível um
conjunto de fenômenos, oferecendo suas leis necessárias. A teoria científica
permite que uma multiplicidade empírica de fatos aparentemente muito diferentes
sejam compreendidos como semelhantes e submetidos às mesmas leis; e,
vice-versa, permite compreender por que fatos aparentemente semelhantes são
diferentes e submetidos a leis diferentes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo1">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">As três principais concepções de ciência<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Historicamente, três têm sido as
principais concepções de ciência ou de ideais de cientificidade: o
racionalista, cujo modelo de objetividade é a matemática; o empirista, que toma
o modelo de objetividade da medicina grega e da história natural do século
XVII; e o construtivista, cujo modelo de objetividade advém da idéia de razão
como conhecimento aproximativo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A concepção racionalista – que se
estende dos gregos até o final do século XVII – afirma que a ciência é um
conhecimento racional dedutivo e demonstrativo como a matemática, portanto,
capaz de provar a verdade necessária e universal de seus enunciados e
resultados, sem deixar qualquer dúvida possível. Uma ciência é a unidade
sistemática de axiomas, postulados e definições, que determinam a natureza e as
propriedades de seu objeto, e de demonstrações, que provam as relações de
causalidade que regem o objeto investigado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O objeto científico é uma
representação intelectual universal, necessária e verdadeira das coisas
representadas e corresponde à própria realidade, porque esta é racional e
inteligível em si mesma. As experiências científicas são realizadas apenas para
verificar e confirmar as demonstrações teóricas e não para produzir o conhecimento
do objeto, pois este é conhecido exclusivamente pelo pensamento. O objeto
científico é matemático, porque a realidade possui uma estrutura matemática, ou
como disse Galileu, “o grande livro da Natureza está escrito em caracteres
matemáticos”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A concepção empirista – que vai da
medicina grega e Aristóteles até o final do século XIX – afirma que a ciência é
uma interpretação dos fatos baseada em observações e experimentos que permitem
estabelecer induções e que, ao serem completadas, oferecem a definição do
objeto, suas propriedades e suas leis de funcionamento. A teoria científica
resulta das observações e dos experimentos, de modo que a experiência não tem
simplesmente o papel de verificar e confirmar conceitos, mas tem a função de
produzi-los. Eis por que, nesta concepção, sempre houve grande cuidado para
estabelecer métodos experimentais rigorosos, pois deles dependia a formulação
da teoria e a definição da objetividade investigada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Essas duas concepções de
cientificidade possuíam o mesmo pressuposto, embora o realizassem de maneiras
diferentes. Ambas consideravam que a teoria científica era uma explicação e uma
representação verdadeira da própria realidade, tal como esta é em si mesma. A
ciência era uma espécie de raio-X da realidade. A concepção racionalista era <b>hipotético-dedutiva</b>, isto é, definia o
objeto e suas leis e disso deduzia propriedades, efeitos posteriores,
previsões. A concepção empirista era <b>hipotético-indutiva</b>,
isto é, apresentava suposições sobre o objeto, realizava observações e
experimentos e chegava à definição dos fatos, às suas leis, suas propriedades,
seus efeitos posteriores e previsões.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A concepção construtivista –
iniciada no século passado – considera a ciência uma construção de modelos
explicativos para a realidade e não uma representação da própria realidade. O
cientista combina dois procedimentos – um, vindo do racionalismo, e outro,
vindo do empirismo – e a eles acrescenta um terceiro, vindo da idéia de
conhecimento aproximativo e corrigível.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Como o racionalista, o cientista
construtivista exige que o método lhe permita e lhe garanta estabelecer
axiomas, postulados, definições e deduções sobre o objeto científico. Como o
empirista, o construtivista exige que a experimentação guie e modifique
axiomas, postulados, definições e demonstrações. No entanto, porque considera o
objeto uma construção lógico-intelectual e uma construção experimental feita em
laboratório, o cientista não espera que seu trabalho apresente a realidade em
si mesma, mas ofereça estruturas e modelos de funcionamento da realidade,
explicando os fenômenos observados. Não espera, portanto, apresentar uma
verdade absoluta e sim uma verdade aproximada que pode ser corrigida,
modificada, abandonada por outra mais adequada aos fenômenos. São três as
exigências de seu ideal de cientificidade:<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">1. que haja coerência (isto é, que
não haja contradições) entre os princípios que orientam a teoria;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">2. que os modelos dos objetos (ou
estruturas dos fenômenos) sejam construídos com base na observação e na
experimentação;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">3. que os resultados obtidos
possam não só alterar os modelos construídos, mas também alterar os próprios
princípios da teoria, corrigindo-a.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiCaptulo">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">O ideal científico e a razão instrumental<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo1">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O ideal científico<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O percurso que fizemos no estudo
das ciências evidencia a existência de um <b>ideal
científico</b>: embora continuidades e rupturas marquem os conhecimentos
científicos, a ciência é a confiança que a cultura ocidental deposita na razão
como capacidade para conhecer a realidade, mesmo que esta, afinal, tenha que
ser inteiramente construída pela própria atividade racional.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A lógica que rege o pensamento
científico contemporâneo está centrada na idéia de demonstração e prova, a
partir da definição ou construção do objeto do conhecimento por suas
propriedades e funções e da posição do sujeito do conhecimento, através das
operações de análise, síntese e interpretação. A ciência contemporânea
funda-se:<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● na
distinção entre sujeito e objeto do conhecimento, que permite estabelecer a
idéia de objetividade, isto é, de independência dos fenômenos em relação ao
sujeito que conhece e age;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● na idéia
de método como um conjunto de regras, normas e procedimentos gerais, que servem
para definir ou construir o objeto e para o autocontrole do pensamento durante
a investigação e, após esta, para a confirmação ou falsificação dos resultados
obtidos. A idéia de método tem como pressuposto que o pensamento obedece
universalmente a certos princípios internos – identidade, não-contradição,
terceiro excluído, razão suficiente – dos quais dependem o conhecimento da
verdade e a exclusão do falso. A verdade pode ser compreendida seja como
correspondência necessária entre os conceitos e a realidade, seja como
coerência interna dos próprios conceitos;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● nas
operações de análise e síntese, isto é, de passagem do todo complexo às suas
partes constituintes ou de passagem das partes ao todo que as explica e
determina. O objeto científico é um fenômeno submetido à análise e à síntese,
que descrevem os fatos observados ou constroem a própria entidade objetiva como
um campo de relações internas necessárias, isto é, uma estrutura que pode ser
conhecida em seus elementos, suas propriedades, suas funções e seus modos de
permanência ou de transformação;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● na idéia
de lei do fenômeno, isto é, de regularidades e constâncias universais e
necessárias, que definem o modo de ser e de comportar-se do objeto, seja este
tomado como um campo separado dos demais, seja tomado em suas relações com
outros objetos ou campos de realidade. A lei científica define o que é o
fato-fenômeno ou o objeto construído pelas operações científicas. Em outras
palavras, a lei científica diz como o objeto se constitui, como se comporta,
por que e como permanece, por que e como se transforma, sobre quais fenômenos
atua e de quais sofre ação. A lei define o objeto segundo um sistema complexo
de relações necessárias de causalidade, complementaridade, inclusão e exclusão.
A idéia de lei visa a marcar o caráter necessário do objeto e a afastar as
idéias de acaso, contingência, indeterminação, oferecendo o objeto como
completamente determinado pelo pensamento ou completamente conhecido ou
cognoscível;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● no uso
de instrumentos tecnológicos e não simplesmente técnicos. Os instrumentos
técnicos são prolongamentos de capacidades do corpo humano e destinam-se a
aumentá-las na relação do nosso corpo com o mundo. Os instrumentos tecnológicos
são ciência cristalizada em objetos materiais, nada possuem em comum com as
capacidades e aptidões do corpo humano; visam a intervir nos fenômenos
estudados e mesmo a construir o próprio objeto científico; destinam-se a
dominar e transformar o mundo e não simplesmente a facilitar a relação do homem
com o mundo. A tecnologia confere à ciência precisão e controle dos resultados,
aplicação prática e interdisciplinaridade. O caso da biologia genética revela
como a tecnologia da física, da química e da cibernética determinaram uma
atividade interdisciplinar que resultou em descobertas e mudanças na biologia;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● na
criação de uma linguagem específica e própria, distante da linguagem cotidiana
e da linguagem literária. A ciência procura afastar os dados qualitativos e
perceptivo-emotivos dos objetos ou dos fenômenos, para guardar ou construir
apenas seus aspectos quantitativos e relacionais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A
linguagem cotidiana e a literária são conotativas e polissêmicas, isto é, nelas
as palavras possuem múltiplos significados simultâneos, subentendidos,
ambigüidades e exprimem tanto o sujeito quanto as coisas, ou seja, exprimem as
relações vividas entre o sujeito e o mundo qualitativo de sons, cores, formas,
odores, valores, sentimentos, etc.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Nas
ciências, porém, sons e cores são explicados como variação no comprimento das
ondas sonoras e luminosas, observadas e medidas no laboratório. Valores e
sentimentos são explicados pelas análises do corpo vivido e da consciência,
feitas pela psicologia; pelas análises da estrutura e organização da sociedade,
feitas pela sociologia e pela antropologia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A
linguagem científica destaca o objeto das relações com o sujeito, separa-o da
experiência vivida cotidiana e constrói uma linguagem puramente denotativa para
exprimir sem ambigüidades as leis do objeto. O simbolismo científico rompe com
o simbolismo da linguagem cotidiana construindo uma linguagem própria, com
símbolos unívocos e denotativos, de significado único e universal. A ciência
constrói o algoritmo e fala através dos algoritmos ou de uma combinatória de
estilo matemático.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Justamente
por serem estes os principais traços do ideal científico, podemos compreender
por que existem os problemas epistemológicos examinados nos capítulos
precedentes. Em outras palavras, o ideal de cientificidade impõe às idéias
critérios e finalidades que, quando impedidos de se concretizarem, forçam
rupturas e mudanças teóricas profundas, fazendo desaparecer campos e
disciplinas científicos ou levando ao surgimento de objetos, métodos,
disciplinas e campos de investigação novos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo1">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Ciência desinteressada e utilitarismo<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Desde a
Renascença – isto é, desde o humanismo, que colocava o homem no centro do
Universo e afirmava seu poder para conhecer e dominar a realidade – duas
concepções sobre o valor da ciência estiveram sempre em confronto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A primeira
delas, que chamaremos de ideal do conhecimento desinteressado, afirma que o
valor de uma ciência encontra-se na qualidade, no rigor e na exatidão, na
coerência e na verdade de uma teoria, independentemente de sua aplicação
prática. A teoria científica vale por trazer conhecimentos novos sobre fatos
desconhecidos, por ampliar o saber humano sobre a realidade e não por ser
aplicável praticamente. Em outras palavras, é por ser verdadeira que a ciência
pode ser aplicada na prática, mas o uso da ciência é conseqüência e não causa
do conhecimento científico.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A segunda
concepção, conhecida como utilitarismo, ao contrário, afirma que o valor de uma
ciência encontra-se na quantidade de aplicações práticas que possa permitir. É
o uso ou a utilidade imediata dos conhecimentos que prova a verdade de uma
teoria científica e lhe confere valor. Os conhecimentos são procurados para
resolver problemas práticos e estes determinam não só o aparecimento de uma
ciência, mas também suas transformações no decorrer do tempo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">As duas
concepções são verdadeiras, mas parciais. Se uma teoria científica fosse
elaborada apenas por suas finalidades práticas imediatas, inúmeras pesquisas
jamais teriam sido feitas e inúmeros fenômenos jamais teriam sido conhecidos,
pois, com freqüência, os conhecimentos teóricos estão mais avançados do que as
capacidades técnicas de uma época e, em geral, sua aplicação só é percebida e
só é possível muito tempo depois de haver sido elaborada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">No
entanto, se uma teoria científica não for capaz de suscitar aplicações, se não
for capaz de permitir o surgimento de objetos técnicos e tecnológicos,
instrumentos, utensílios, máquinas, medicamentos, de resolver problemas
importantes para os seres humanos, então seremos obrigados a dizer que a
técnica e a tecnologia são cegas, incertas, arriscadas e perigosas, porque são
práticas sem bases teóricas seguras. Na realidade, teoria e prática científicas
estão relacionadas na concepção moderna e contemporânea de ciência, mesmo que
uma possa estar mais avançada do que a outra.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A
distinção e a relação entre ciência pura e ciência aplicada pode solucionar o
impasse ou o confronto entre as duas concepções sobre o valor das teorias
científicas, garantindo, por um lado, que uma teoria possa e deva ser elaborada
sem a preocupação com fins práticos imediatos, embora possa, mais tarde, contribuir
para eles; e, por outro lado, garantindo o caráter científico de teorias
construídas diretamente com finalidades práticas, as quais podem, por sua vez,
suscitar investigações puramente teóricas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Pode-se
dizer que são problemas e dificuldades técnicas e práticas que suscitam o
desenvolvimento de conhecimentos teóricos. Sabemos, por exemplo, que o químico
Lavoisier decidiu estudar o fenômeno da combustão para resolver problemas
econômicos da cidade de Paris, que Galileu e Torricelli investigaram o movimento
dos corpos no vácuo para resolver problemas de carregamento de grandes pesos
nos portos e para responder a uma pergunta dos construtores de fontes dos
jardins da cidade de Florença.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">No
entanto, o que sempre se verifica é que a explicação científica e a teoria
acabam conhecendo muito mais fatos e relações do que o que era necessário para
solucionar o problema prático, de tal modo que as pesquisas teóricas vão
avançando já sem a preocupação prática, embora comecem a surgir e a suscitar,
tempos depois, soluções práticas para problemas novos. Assim, por exemplo,
passou-se muito tempo até que a teoria eletromagnética de Hertz levasse às
técnicas de radiodifusão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo1">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A ideologia cientificista<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O senso
comum, ignorando as complexas relações entre as teorias científicas e as
técnicas, entre ciência pura e ciência aplicada, entre teoria e prática e entre
verdade e utilidade, tende a identificar as ciências com os resultados de suas
aplicações. Essa identificação desemboca numa atitude conhecida como <b>cientificismo</b>, isto é, <b>fusão entre ciência e técnica</b> e a <b>ilusão da neutralidade científica</b>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Examinemos
brevemente cada um desses aspectos que constituem a ideologia da ciência na
sociedade contemporânea.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo2">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">O cientificismo<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O
cientificismo é a crença infundada de que a ciência pode e deve conhecer tudo,
que, de fato, conhece tudo e é a explicação causal das leis da realidade tal
como esta é em si mesma.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Ao
contrário dos cientistas, que não cessam de enfrentar obstáculos
epistemológicos, problemas e enigmas, o senso comum cientificista desemboca
numa ideologia e numa mitologia da ciência.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Ideologia da ciência</span></b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">: crença no progresso e na evolução dos conhecimentos
que, um dia, explicarão totalmente a realidade e permitirão manipulá-la
tecnicamente, sem limites para a ação humana.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Mitologia da ciência</span></b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">: crença na ciência como se fosse magia e poderio
ilimitado sobre as coisas e os homens, dando-lhe o lugar que muitos costumam
dar às religiões, isto é, um conjunto doutrinário de verdades intemporais,
absolutas e inquestionáveis.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A ideologia
e a mitologia cientificistas encaram a ciência não pelo prisma do trabalho do
conhecimento, mas pelo prisma dos resultados (apresentados como espetaculares e
miraculosos) e sobretudo como uma forma de poder social e de controle do
pensamento humano. Por este motivo, aceitam a <b>ideologia da competência</b>, isto é, a idéia de que há, na sociedade,
os que sabem e os que não sabem, que os primeiros são competentes e têm o
direito de mandar e de exercer poderes, enquanto os demais são incompetentes,
devendo obedecer e ser mandados. Em resumo, a sociedade deve ser dirigida e
comandada pelos que “sabem” e os demais devem executar as tarefas que lhes são
ordenadas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo2">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">A ilusão da neutralidade da ciência<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Como a
ciência se caracteriza pela separação e pela distinção entre o sujeito do
conhecimento e o objeto; como a ciência se caracteriza por retirar dos objetos
do conhecimento os elementos subjetivos; como os procedimentos científicos de
observação, experimentação e interpretação procuram alcançar o objeto real ou o
objeto construído como modelo aproximado do real; e, enfim, como os resultados
obtidos por uma ciência não dependem da boa ou má vontade do cientista nem de
suas paixões, estamos convencidos de que a ciência é neutra ou imparcial. Diz à
razão o que as coisas são em si mesmas. Desinteressadamente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Essa
imagem da neutralidade científica é ilusória.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Quando o
cientista escolhe uma certa definição de seu objeto, decide usar um determinado
método e espera obter certos resultados, sua atividade não é neutra nem imparcial,
mas feita por escolhas precisas. Vamos tomar três exemplos que nos ajudarão a
esclarecer este ponto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O racismo
não é apenas uma ideologia social e política. É também uma teoria que se
pretende científica, apoiada em observações, dados e leis conseguidas com a
biologia, a psicologia, a sociologia. É uma certa maneira de construir tais
dados, de sorte a transformar diferenças étnicas e culturais em diferenças
biológicas naturais imutáveis e separar os seres humanos em superiores e
inferiores, dando aos primeiros justificativas para explorar, dominar e mesmo
exterminar os segundos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Por que
Copérnico teve que esconder os resultados de suas pesquisas e Galileu foi
forçado a comparecer perante a Inquisição e negar que a Terra se movia ao redor
do Sol? Porque a concepção astronômica geocêntrica (elaborada, na Antiguidade,
por Ptolomeu e Aristóteles) permitia que a Igreja Romana mantivesse a idéia de
que a realidade é constituída por uma hierarquia de seres, que vão dos mais
perfeitos – os celestes – aos mais imperfeitos – os infernais – e que essa
hierarquia colocava a Igreja acima dos imperadores, estes acima dos barões e
estes acima dos camponeses e servos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Se a
astronomia demonstrasse que a Terra não é o centro do Universo e que o Sol não
é apenas uma perfeição imóvel, e se a mecânica galileana demonstrasse que todos
os seres estão submetidos às mesmas leis do movimento, então as hierarquias
celestes, naturais e humanas, perderiam legitimidade e fundamento, não
precisando ser respeitadas. A física e a astronomia pré-copernicanas
(elaboradas por Ptolomeu e Aristóteles) serviam – independentemente da vontade
de Ptolomeu e de Aristóteles, é verdade – a uma sociedade e a uma concepção do
poder que se viram ameaçadas por uma nova concepção científica.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Um último
exemplo pode ser dado através da antropologia. Durante muito tempo, os
antropólogos afirmaram que havia duas formas de pensamento cientificamente
observáveis e com leis diferentes: o pensamento lógico-racional dos civilizados
(europeus brancos adultos) e o pensamento pré-lógico e pré-racional dos
selvagens ou primitivos (africanos, índios, tribos australianas). O primeiro
era considerado superior, verdadeiro e evoluído; o segundo, inferior, falso,
supersticioso e atrasado, cabendo aos brancos europeus “auxiliar” os selvagens
“primitivos” a abandonar sua cultura e adquirir a cultura “evoluída” dos
colonizadores.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O melhor
caminho para perceber a impossibilidade de uma ciência neutra é levar em
consideração o modo como a pesquisa científica se realiza em nosso tempo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Durante
séculos, os cientistas trabalharam individualmente (mesmo que possuíssem
auxiliares e discípulos) em seus pequenos laboratórios. Suas pesquisas eram
custeadas ou por eles mesmos ou por reis, nobres e burgueses ricos, que
desejavam a glória de patrocinar descobertas e as vantagens práticas que delas
poderiam advir. Por sua vez, o senso comum social olhava o cientista como <b>inventor e gênio</b>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Hoje, os
cientistas trabalham coletivamente, em equipes, nos grandes laboratórios
universitários, nos dos institutos de pesquisa e nos das grandes empresas
transnacionais que participam de um sistema conhecido como complexo
industrial-militar. As pesquisas são financiadas pelo Estado (nas universidades
e institutos), pelas empresas privadas (em seus laboratórios) e por ambos (nos
centros de investigação do complexo industrial-militar). São pesquisas que
exigem altos investimentos econômicos e das quais se esperam resultados que a
opinião pública nem sempre conhece. Além disso, os cientistas de uma mesma área
de investigação competem por recursos, tendem a fazer segredo de suas
descobertas, pois dependem delas para conseguir fundos e vencer a competição
com outros.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Sabemos,
hoje, que a maioria dos resultados científicos que usamos em nossa vida
cotidiana – máquinas, remédios, fertilizantes, produtos de limpeza e de
higiene, materiais sintéticos, computadores – tiveram como origem investigações
militares e estratégicas, competições econômicas entre grandes empresas
transnacionais e competições políticas entre grandes Estados. Muito do que
usamos em nosso cotidiano provém de pesquisas nucleares, bacteriológicas e
espaciais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O senso
comum social, agora, vê o cientista como <b>engenheiro
e mago</b>, em roupas brancas no interior de grandes laboratórios repletos de
objetos incompreensíveis, rodeado de outros cientistas, fazendo cálculos
misteriosos diante de dezenas de computadores.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Tanto na
visão anterior – o cientista como inventor e gênio solitário – quanto na atual
– o cientista como membro de uma equipe de engenheiros e magos -, o senso comum
vê a ciência desligada do contexto das condições de sua realização e de suas
finalidades. Eis porque tende a acreditar na neutralidade científica, na idéia
de que o único compromisso da ciência é o conhecimento verdadeiro e desinteressado
e a solução correta de nossos problemas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A
ideologia cientificista usa essa imagem idealizada para consolidar a da
neutralidade científica, dissimulando, com isso, a origem e a finalidade da
maioria das pesquisas, destinadas a controlar a Natureza e a sociedade segundo
os interesses dos grupos que controlam os financiamentos dos laboratórios.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo1">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A razão instrumental<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Por que há uma ideologia e uma
mitologia da ciência?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Quando estudamos a teoria do
conhecimento, examinamos a noção de ideologia como lógica social imaginária de
ocultamento da realidade histórica. Ao estudarmos o nascimento da Filosofia,
examinamos a diferença entre <i>mythos</i> e
<i>logos</i>, isto é, entre a explicação
antropomórfica e mágica do mundo e a explicação racional. Quando estudamos a
razão, vimos que alguns filósofos alemães, reunidos na Escola de Frankfurt,
descreveram a racionalidade ocidental como instrumentalização da razão. Se
reunirmos esses vários estudos que fizemos até aqui, poderemos responder à
pergunta sobre a ideologização e a mitologização da ciência.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A razão instrumental – que os
frankfurtianos, como Adorno, Marcuse e Horkheimer também designaram com a
expressão <b>razão iluminista</b> – nasce
quando o sujeito do conhecimento toma a decisão de que conhecer é <b>dominar</b> e <b>controlar</b> a Natureza e os seres humanos. Assim, por exemplo, o
filósofo Francis Bacon, no início do século XVII, criou uma expressão para
referir-se ao objeto do conhecimento científico: “a Natureza atormentada”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Atormentar a Natureza é fazê-la
reagir a condições artificiais, criadas pelo homem. O laboratório científico é
a maneira paradigmática de efetuar esse tormento, pois, nele, plantas, animais,
metais, líquidos, gases, etc. são submetidos a condições de investigação
totalmente diversas das naturais, de maneira a fazer com que a experimentação
supere a experiência, descobrindo formas, causas, efeitos que não poderiam ser
conhecidos se contássemos apenas com a atividade espontânea da Natureza.
Atormentar a Natureza é conhecer seus segredos para dominá-la e transformá-la.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O tormento da realidade aumenta
com a ciência contemporânea, uma vez que esta não se contenta em conhecer as
coisas e os seres humanos, mas os constrói artificialmente e aplica os
resultados dessa construção ao mundo físico, biológico e humano (psíquico,
social, político, histórico). Assim, por exemplo, a organização do processo de
trabalho nas indústrias apresenta-se como científica porque é baseada em
conceitos da psicologia, da sociologia, da economia, que permitem dominar e
controlar o trabalho humano sob todos os aspectos (controle sobre o corpo e o
espírito dos trabalhadores), a fim de que a produtividade seja a maior possível
para render lucros ao capital.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Na medida em que a razão se torna
instrumental, a ciência vai deixando de ser uma forma de acesso aos
conhecimentos verdadeiros para tornar-se um instrumento de dominação, poder e
exploração. Para que não seja percebida como tal, passa a ser sustentada pela
ideologia cientificista, que, através da escola e dos meios de comunicação de
massa, desemboca na mitologia cientificista.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Todavia, devemos distinguir entre
o momento da investigação científica propriamente dita e o da ideologização-mitologização
de uma ciência. Um exemplo poderá auxiliar-nos a perceber essa diferença.
Quando Darwin elabora a teoria biológica da evolução das espécies, o modelo de
explicação usado por ele permitia-lhe supor que o processo evolutivo ocorria
por seleção natural dos mais aptos à sobrevivência.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Ora, na mesma época, a sociedade
capitalista estava convencida de que o progresso social e histórico provinha da
competição e da concorrência dos indivíduos, segundo a lei econômica da oferta
e da procura. Um filósofo, Spencer, aplicou, então, a teoria darwiniana à
sociedade: nesta, os mais “aptos” (isto é, os mais capazes de competir e
concorrer) tornam-se <b>naturalmente</b>
superiores aos outros, vencendo-os em riqueza, privilégios e poder.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Ao transpor uma teoria biológica para
uma explicação filosófica sobre a essência da sociedade, Spencer transformou a
teoria <b>científica</b> da evolução em <b>ideologia</b> evolucionista. Por quê? Em
primeiro lugar, porque generalizou para toda a realidade resultados obtidos num
campo particular de conhecimentos específicos. Em segundo lugar, porque tomou
conceitos referentes a fatos naturais e os converteu em fatos sociais, como se
não houvesse diferença entre Natureza e sociedade. Uma vez criada a ideologia
evolucionista, o evolucionismo tornou-se teoria da História e, a seguir,
mitologia científica do progresso humano.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A noção de razão instrumental nos
permite compreender:<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● a
transformação de uma ciência em ideologia e mito social, isto é, em senso comum
cientificista;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● que a
ideologia da ciência não se reduz à transformação de uma teoria científica em
ideologia, mas encontra-se na própria ciência, quando esta é concebida como
instrumento de dominação, controle e poder sobre a Natureza e a sociedade;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● que as
idéias de progresso técnico e neutralidade científica pertencem ao campo da
ideologia cientificista.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo1">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Confusão entre ciência e técnica<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo1">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Ciência ou tecnologia?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Vimos que
a ciência moderna e contemporânea transforma a técnica em tecnologia, isto é,
passa da máquina-utensílio à máquina como instrumento de precisão, que permite
conhecimentos mais exatos e novos conhecimentos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Essa
transformação traz duas conseqüências principais: a primeira se refere ao
conhecimento científico e a segunda, ao estatuto dos objetos técnicos:<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">1. o
conhecimento científico é concebido como <b>lógica
da invenção</b> (para a solução de problemas teóricos e práticos) e como <b>lógica da construção</b> (de objetos
teóricos), graças à possibilidade de estudar os fenômenos sem depender apenas
dos recursos de nossa percepção e de nossa inteligência. É assim que, por
exemplo, Galileu se refere ao telescópio como um instrumento cuja função não é
a de simplesmente aproximar objetos distantes, mas de corrigir as distorções de
nossos olhos e garantir-nos a imagem correta das coisas. O mesmo foi dito sobre
o microscópio, sobre a balança de precisão, sobre o cronômetro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Em nosso
tempo, os instrumentos técnico-tecnológicos vão além da correção de nossa
percepção, pois corrigem falhas de nosso pensamento, uma vez que são
inteligências artificiais (o computador foi chamado de “cérebro eletrônico”)
mais acuradas do que nossa inteligência individual. Evidentemente, são
conhecimentos científicos que permitem a construção desses instrumentos, mas
dando-lhes capacidades que cada um de nós, enquanto indivíduo, não possui. Ora,
os objetos técnico-tecnológicos ampliam a idéia da ciência como invenção e
construção dos próprios fenômenos;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">2. os
objetos técnicos são criados pela ciência como instrumentos de auxílio ao
trabalho humano, máquinas para dominar a Natureza e a sociedade, instrumentos
de precisão para o conhecimento científico e, sobretudo, em sua forma
contemporânea, como autômatos. Estes são o objeto técnico-tecnológico por
excelência, porque possuem as seguintes características, marcas do novo
estatuto desse objeto:<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● são
conhecimento científico objetivado, isto é, depositado e concretizado num
objeto. São resultado e corporificação de conhecimentos científicos;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● são
objetos que possuem em si mesmos o princípio de sua regulação, manutenção e
transformação. As máquinas antigas dependiam de forças externas para realizar
suas funções (alavancas, polias, manivelas, força muscular de seres humanos ou
de animais, força hidráulica, etc.). As máquinas modernas são autômatos porque,
dado o impulso eletro-eletrônico inicial, realizam por si mesmas todas as
operações para as quais foram programadas, incluindo a correção de sua própria
ação, a realimentação de energia, a transformação. São auto-reguladas e
autoconservadas, porque possuem em si mesmas as informações necessárias ao seu
funcionamento;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● como
conseqüência, não são propriamente um objeto singular ou individual, mas um <b>sistema de objetos</b> interligados por
comandos recíprocos;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● são
sistemas que, uma vez programados, realizam operações teóricas complexas, que
modificam o conteúdo dos próprios conhecimentos científicos, isto é, os objetos
técnico-tecnológicos fazem parte do trabalho teórico.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Ora, o
senso comum social ignora essas transformações da ciência e da técnica e
conhece apenas seus resultados mais imediatos: os objetos que podem ser usados
por nós (máquina de lavar, <i>videogame</i>,
televisão a cabo, máquina de calcular, computador, robô industrial, etc.).<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Como, para
usá-los, precisamos receber um conjunto de informações detalhadas e
sofisticadas, tendemos a identificar o conhecimento científico com seus efeitos
tecnológicos. Com isso, deixamos de perceber o essencial, isto é, que as
ciências passaram a fazer parte das forças econômicas produtivas da sociedade e
trouxeram mudanças sociais de grande porte na divisão social do trabalho, na
produção e na distribuição dos objetos, na forma de consumi-los. Não percebemos
que as pesquisas científicas são financiadas por empresas e governos,
demandando grandes somas de recursos que retornam, graças aos resultados obtidos,
na forma de lucro e poder para os agentes financiadores.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Por não
percebermos o poderio econômico das ciências, lutamos para ter acesso, para
possuir e consumir os objetos tecnológicos, mas não lutamos pelo direito de
acesso tanto aos conhecimentos como às pesquisas científicas, nem lutamos pelo
direito de decidir seu modo de inserção na vida econômica e política de uma
sociedade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Eis
porque, entre outros efeitos de nossa confusão entre ciência e tecnologia,
aceitamos, no Brasil, políticas educacionais que profissionalizam os jovens no
segundo grau – portanto, antes que tenham podido ter acesso às ciências
propriamente ditas – e que destinam poucos recursos públicos às áreas de
pesquisa nas universidades – portanto, mantendo os cientistas na mera condição
de reprodutores de ciências produzidas em outros países e sociedades.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo1">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O problema do uso das ciências<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Além do
problema anterior, isto é, de teorias científicas serem formuladas a partir de
certas decisões e escolhas do cientista ou do laboratório onde trabalham os
cientistas, com conseqüências sérias para os seres humanos, um outro problema
também é trazido pelas ciências: o de seu uso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Vimos que
uma teoria científica pode nascer para dar resposta a um problema prático ou
técnico. Vimos também que a investigação científica pode ir avançando para
descobertas de fenômenos e relações que já não possuem relação direta com os
problemas práticos iniciais e, como conseqüência, é freqüente uma teoria estar
muito mais avançada do que as técnicas e tecnologias que poderão aplicá-la.
Muitas vezes, aliás, o cientista sequer imagina que a teoria terá aplicação
prática.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">É
exatamente isso que torna o uso da ciência algo delicado, que, em geral, escapa
das mãos dos próprios pesquisadores. É assim, por exemplo, que a microfísica ou
física quântica desemboca na fabricação das armas nucleares; a bioquímica e a
genética, na de armas bacteriológicas. Teorias sobre a luz e o som permitem a
construção de satélites artificiais, que, se são conectáveis instantaneamente
em todo o globo terrestre para a comunicação e informação, também são
responsáveis por espionagem militar e por guerras com armas teleguiadas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Uma das
características mais novas da ciência está em que as pesquisas científicas
passaram a fazer parte das forças produtivas da sociedade, isto é, da economia.
A automação, a informatização, a telecomunicação determinam formas de poder
econômico, modos de organizar o trabalho industrial e os serviços, criam
profissões e ocupações novas, destroem profissões e ocupações antigas,
introduzem a velocidade na produção de mercadorias e em sua distribuição e
consumo, modificando padrões industriais, comerciais e estilos de vida. A
ciência tornou-se parte integrante e indispensável da atividade econômica.
Tornou-se agente econômico e político.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Além de
fazer parte essencial da atividade econômica, a ciência também passou a fazer
parte do poder político. Não é por acaso, por exemplo, que governos criem
ministérios e secretarias de ciência e tecnologia e que destinem verbas para
financiar pesquisas civis e militares. Do mesmo modo que as grandes empresas
financiam pesquisas e até criam centros e laboratórios de investigação
científica, assim também os governos determinam quais as ciências que irão ser
desenvolvidas e, nelas, quais as pesquisas que serão financiadas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Essa nova
posição das ciências na sociedade contemporânea, além de indicar que é mínimo
ou quase inexistente o grau de neutralidade e de liberdade dos cientistas,
indica também que o <b>uso</b> das ciências
define os recursos financeiros que nelas serão investidos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A
sociedade, porém, não luta pelo direito de interferir nas decisões de empresas
e governos quando estes decidem financiar um tipo de pesquisa em vez de outra.
Dessa maneira, o campo científico torna-se cada vez mais distante da sociedade
sem que esta encontre meios para orientar o uso das ciências, pois este é
definido <b>antes</b> do início das
próprias pesquisas e <b>fora</b> do
controle que a sociedade poderia exercer sobre ele.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Um exemplo
de luta social para intervir nas decisões sobre as pesquisas e seus usos
encontra-se nos movimentos ecológicos e em muitos movimentos sociais ligados a
reivindicações de direitos. De um modo geral, porém, a ideologia cientificista
tende a ser muito mais forte do que eles e a limitar os resultados que desejariam
obter.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Bibliografia:<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">CHAUI, Marilena. <b>Convite à
Filosofia: As Ciências</b> – São Paulo: Ática, 1999<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Texto
II:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O MITO DA CAVERNA <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Marilena Chaui <o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">No livro VII da República, Platão narra o Mito da Caverna,
alegoria da teoria do conhecimento e da paidéia platônicas.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Imaginemos uma caverna separada do mundo externo por um alto muro,
cuja entrada permite a passagem da luz exterior. Desde seu nascimento, geração
após geração, seres humanos ali vivem acorrentados, sem poder mover a cabeça
para a entrada, nem locomover-se, forçados a olhar apenas a parede do fundo, e
sem nunca terem visto o mundo exterior nem a luz do Sol. Acima do muro, uma
réstia de luz exterior ilumina o espaço habitado pelos prisioneiros, fazendo
com que as coisas que se passam no mundo exterior sejam projetadas como sombras
nas paredes do fundo da caverna. Por trás do muro, pessoas passam conversando e
carregando nos ombros figuras de homens, mulheres, animais cujas sombras são
projetadas na parede da caverna. Os prisioneiros julgam que essas sombras são
as próprias coisas externas, e que os artefatos projetados são os seres vivos
que se movem e falam. Um dos prisioneiros, tomado pela curiosidade, decide
fugir da caverna.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões e escala o
muro. Sai da caverna, no primeiro instante, fica totalmente cego pela
luminosisdade do Sol, coma qual seus olhos não estão acostumados; pouco a
pouco, habitua-se à luz e começa ver o mundo. Encanta-se, deslumbra-se, tem a
felicidade de, finalmente, ver as próprias coisas, descobrindo que, em sua
prisão, vira apenas sombras. Deseja ficar longe da caverna e só voltará a ela
se for obrigado, para contar o que viu e libertar os demais. Assim como a
subida foi penosa, porque o caminho era íngreme e a luz ofuscante, também o
retorno será penoso, pois será preciso habituar-se novamente às trevas, o que é
muito mais difícil do que habituar-se à luz. De volta á caverna, o prisioneiro
será desajeitado, não saberá mover-se nem falar de modo compreensível para os
outros, não será acreditado por eles e correrá o risco de ser morto pelos que
jamais abandonaram a caverna.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">A caverna, diz Platão, é o mundo sensível onde vivemos. A réstia
de luz que projeta as sombras na parede é um reflexo da luz verdadeira (as
idéias) sobre o mundo sensível. Somos os prisioneiros. As sombras são as coisas
sensíveis que tomamos pelas verdadeiras. Os grilhões são nossos preconceitos,
nossa confiança em nossos sentidos e opiniões. O instrumento que quebra os
grilhões e faz a escalado do muro é a dialética. O prisioneiro curioso que
escapa é o filósofo. A luz que ele vê é a luz plena do Ser, isto é, o Bem, que
ilumina o mundo inteligível como o Sol ilumina o mundo sensível. O retorno à
caverna é o diálogo filosófico. Os anos despendidos na criação do instrumento
para sair da caverna são o esforço da alma, descrito na Carta Sétima, para
produzir a "faísca" do conhecimento verdadeiro pela
"fricção" dos modos de conhecimento. Conhecer é um ato de libertação
e de iluminação...<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Questões:<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 18pt; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-indent: -18pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">1.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Dê exemplos
de noções e preconceitos do senso comum que foram desmentidos pelas ciências.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 18pt; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-indent: -18pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">2.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Escolha cinco
características do senso comum e explique como operam.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 18pt; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-indent: -18pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">3.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">O que
diferencia o senso comum da atitude científica?<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 18pt; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-indent: -18pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">4.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Escolha cinco
características as atitude científica e explique como operam.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 18pt; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-indent: -18pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">5.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Quais as
principais concepções de ciências?<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 18pt; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-indent: -18pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">6.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Descreva os
principais elementos do ideal científico.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 18pt; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-indent: -18pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">7.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">O que é a
idéia de ciência desinteressada?<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 18pt; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-indent: -18pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">8.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">O que é
utilitarismo?<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 18pt; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-indent: -18pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">9.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Explique o
que é o cientificismo?<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 18pt; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-indent: -18pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">10.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">O que é razão
instrumental?<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 18pt; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-indent: -18pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">11.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Quais as diferenças
entre ciência e tecnologia? Quais os efeitos sociais as confusão entre essas
duas áreas do conhecimento?<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 18pt; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-indent: -18pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">12.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">É possível
falarmos em neutralidade científica? Por quê?<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 18pt; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-indent: -18pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">13.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Explique o
que é uma teoria científica.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 18pt; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-indent: -18pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">14.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Qual relação
entre o texto I, “<i>As Ciências”</i> de
Marilena Chaui, e o texto II, “<i>O mito da
Caverna</i>” de Platão?<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt;">
<b><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Roteiro:<o:p></o:p></span></b></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 18pt; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-indent: -18pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">a.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Responda as
questões em folha A4;<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 18pt; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-indent: -18pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">b.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Exercício
individual; <o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 18pt; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-indent: -18pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">c.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Manuscritos;<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 18pt; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-indent: -18pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">d.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Data da
entrega: 16/01/2012.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 18pt; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-indent: -18pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">e.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Entregar em
mãos ou da pessoa autorizada no <b><i>Estadual Central, </i></b>na data marcada
acima.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 18pt; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-indent: -18pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">f.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Avaliação
será baseada nestes textos apenas, mas não implica que os textos anteriores,
estudados durante o ano, não auxiliarão no melhor desempenho da prova.<o:p></o:p></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://t3.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRgCboRW9-mFzeAZkfrdlCnsQKouu9uqxLFS_XGYopQBm-KyCAeovwXIQY" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://t3.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRgCboRW9-mFzeAZkfrdlCnsQKouu9uqxLFS_XGYopQBm-KyCAeovwXIQY" /></a></div>
<div style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt;">
<br /></div>Elídio Remígio Filhohttp://www.blogger.com/profile/01269614556676149130noreply@blogger.com31tag:blogger.com,1999:blog-2656430184649437651.post-86357281300106296762011-11-22T18:27:00.000-02:002011-12-30T23:30:36.208-02:00A Metamorfose - Franz Kafkahttp://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua00106a.pdfElídio Remígio Filhohttp://www.blogger.com/profile/01269614556676149130noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2656430184649437651.post-60275853245315652832011-11-15T18:48:00.001-02:002012-02-04T00:22:41.334-02:00PRINCIPAIS PERÍODOS DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 14pt; text-transform: uppercase;">Principais períodos da história da
Filosofia<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="ChauiTtulo1" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">A Filosofia na História<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Como todas as outras criações e
instituições humanas, a Filosofia está na História e tem uma história.<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;"></span><br />
<a name='more'></a><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Está na História: a Filosofia
manifesta e exprime os problemas e as questões que, em cada época de uma
sociedade, os homens colocam para si mesmos, diante do que é novo e ainda não
foi compreendido. A Filosofia procura enfrentar essa novidade, oferecendo
caminhos, respostas e, sobretudo, propondo novas perguntas, num diálogo
permanente com a sociedade e a cultura de seu tempo, do qual ela faz parte.</span><br />
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Tem uma história: as respostas, as
soluções e as novas perguntas que os filósofos de uma época oferecem tornam-se
saberes adquiridos que outros filósofos prosseguem ou, freqüentemente,
tornam-se novos problemas que outros filósofos tentam resolver, seja
aproveitando o passado filosófico, seja criticando-o e refutando-o. Além disso,
as transformações nos modos de conhecer podem ampliar os campos de investigação
da Filosofia, fazendo surgir novas disciplinas filosóficas, como também podem
diminuir esses campos, porque alguns de seus conhecimentos podem desligar-se
dela e formar disciplinas separadas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Assim, por exemplo, a Filosofia
teve seu campo de atividade aumentado quando, no século XVIII, surge a
filosofia da arte ou estética; no século XIX, a filosofia da história; no
século XX, a filosofia das ciências ou epistemologia, e a filosofia da
linguagem. Por outro lado, o campo da Filosofia diminuiu quando as ciências
particulares que dela faziam parte foram-se desligando para constituir suas
próprias esferas de investigação. É o que acontece, por exemplo, no século
XVIII, quando se desligam da Filosofia a biologia, a física e a química; e, no
século XX, as chamadas ciências humanas (psicologia, antropologia, história).<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Pelo fato de estar na História e
ter uma história, a Filosofia costuma ser apresentada em grandes períodos que
acompanham, às vezes de maneira mais próxima, às vezes de maneira mais
distante, os períodos em que os historiadores dividem a História da sociedade
ocidental.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo1" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Os principais períodos da Filosofia<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo2" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Filosofia antiga(do século VI a.C. ao século VI d.C.)<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Compreende os quatro grandes
períodos da Filosofia greco-romana, indo dos pré-socráticos aos grandes
sistemas do período helenístico, mencionados no capítulo anterior.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo2" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Filosofia patrística (do século I ao século VII)<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Inicia-se com as Epístolas de São
Paulo e o Evangelho de São João e termina no século VIII, quando teve início a
Filosofia medieval.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A patrística resultou do esforço
feito pelos dois apóstolos intelectuais (Paulo e João) e pelos primeiros Padres
da Igreja para conciliar a nova religião - o Cristianismo - com o pensamento
filosófico dos gregos e romanos, pois somente com tal conciliação seria
possível convencer os pagãos da nova verdade e convertê-los a ela. A Filosofia
patrística liga-se, portanto, à tarefa religiosa da evangelização e à defesa da
religião cristã contra os ataques teóricos e morais que recebia dos antigos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Divide-se em <b>patrística grega</b>
(ligada à Igreja de Bizâncio) e <b>patrística latina</b> (ligada à Igreja de
Roma) e seus nomes mais importantes foram: Justino, Tertuliano, Atenágoras,
Orígenes, Clemente, Eusébio, Santo Ambrósio, São Gregório Nazianzo, São João
Crisóstomo, Isidoro de Sevilha, Santo Agostinho, Beda e Boécio.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A patrística foi obrigada a
introduzir idéias desconhecidas para os filósofos greco-romanos: a idéia de
criação do mundo, de pecado original, de Deus como trindade una, de encarnação
e morte de Deus, de juízo final ou de fim dos tempos e ressurreição dos mortos,
etc. Precisou também explicar como o mal pode existir no mundo, já que tudo foi
criado por Deus, que é pura perfeição e bondade. Introduziu, sobretudo com
Santo Agostinho e Boécio, a idéia de “homem interior”, isto é, da consciência
moral e do livre-arbítrio, pelo qual o homem se torna responsável pela
existência do mal no mundo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Para impor as idéias cristãs, os
Padres da Igreja as transformaram em verdades reveladas por Deus (através da
Bíblia e dos santos) que, por serem decretos divinos, seriam <b>dogmas</b>,
isto é, irrefutáveis e inquestionáveis. Com isso, surge uma distinção,
desconhecida pelos antigos, entre verdades reveladas ou da fé e verdades da
razão ou humanas, isto é, entre verdades sobrenaturais e verdades naturais, as
primeiras introduzindo a noção de conhecimento recebido por uma graça divina,
superior ao simples conhecimento racional. Dessa forma, o grande tema de toda a
Filosofia patrística é o da possibilidade de conciliar razão e fé, e, a esse
respeito, havia três posições principais:<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">1.</span></b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">
Os que julgavam fé e razão irreconciliáveis e a fé superior à razão (diziam
eles: “Creio porque absurdo”).<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">2.</span></b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">
Os que julgavam fé e razão conciliáveis, mas subordinavam a razão à fé (diziam
eles: “Creio para compreender”).<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">3.</span></b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">
Os que julgavam razão e fé irreconciliáveis, mas afirmavam que cada uma delas
tem seu campo próprio de conhecimento e não devem misturar-se (a razão se
refere a tudo o que concerne à vida temporal dos homens no mundo; a fé, a tudo
o que se refere à salvação da alma e à vida eterna futura).<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo2" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Filosofia medieval (do século VIII ao século XIV)<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Abrange pensadores europeus,
árabes e judeus. É o período em que a Igreja Romana dominava a Europa, ungia e
coroava reis, organizava Cruzadas à Terra Santa e criava, à volta das
catedrais, as primeiras universidades ou escolas. E, a partir do século XII, por
ter sido ensinada nas escolas, a Filosofia medieval também é conhecida com o
nome de Escolástica.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A Filosofia medieval teve como
influências principais Platão e Aristóteles, embora o Platão que os medievais
conhecessem fosse o neoplatônico (vindo da Filosofia de Plotino, do século VI
d.C.), e o Aristóteles que conhecessem fosse aquele conservado e traduzido
pelos árabes, particularmente Avicena e Averróis.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Conservando e discutindo os mesmos
problemas que a patrística, a Filosofia medieval acrescentou outros -
particularmente um, conhecido com o nome de Problema dos Universais - e, além
de Platão e Aristóteles, sofreu uma grande influência das idéias de Santo
Agostinho. Durante esse período surge propriamente a Filosofia cristã, que é,
na verdade, a teologia. Um de seus temas mais constantes são as provas da
existência de Deus e da alma, isto é, demonstrações racionais da existência do
infinito criador e do espírito humano imortal.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A diferença e separação entre
infinito (Deus) e finito (homem, mundo), a diferença entre razão e fé (a
primeira deve subordinar-se à segunda), a diferença e separação entre corpo
(matéria) e alma (espírito), O Universo como uma hierarquia de seres, onde os
superiores dominam e governam os inferiores (Deus, arcanjos, anjos, alma, corpo,
animais, vegetais, minerais), a subordinação do poder temporal dos reis e
barões ao poder espiritual de papas e bispos: eis os grandes temas da Filosofia
medieval.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Outra característica marcante da
Escolástica foi o método por ela inventado para expor as idéias filosóficas,
conhecida como <b>disputa</b>: apresentava-se uma tese e esta devia ser ou
refutada ou defendida por argumentos tirados da Bíblia, de Aristóteles, de
Platão ou de outros Padres da Igreja.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Assim, uma idéia era considerada
uma tese verdadeira ou falsa dependendo da força e da qualidade dos argumentos
encontrados nos vários autores. Por causa desse método de disputa - teses,
refutações, defesas, respostas, conclusões baseadas em escritos de outros
autores -, costuma-se dizer que, na Idade Média, o pensamento estava
subordinado ao <b>princípio da autoridade</b>, isto é, uma idéia é considerada
verdadeira se for baseada nos argumentos de uma autoridade reconhecida (Bíblia,
Platão, Aristóteles, um papa, um santo).<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Os teólogos medievais mais
importantes foram: Abelardo, Duns Scoto, Escoto Erígena, Santo Anselmo, Santo
Tomás de Aquino, Santo Alberto Magno, Guilherme de Ockham, Roger Bacon, São
Boaventura. Do lado árabe: Avicena, Averróis, Alfarabi e Algazáli. Do lado
judaico: Maimônides, Nahmanides, Yeudah bem Levi.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo2" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Filosofia da Renascença (do século XIV ao século XVI)<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">É marcada pela descoberta de obras
de Platão desconhecidas na Idade Média, de novas obras de Aristóteles, bem como
pela recuperação das obras dos grandes autores e artistas gregos e romanos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">São três as grandes linhas de
pensamento que predominavam na Renascença:<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">1.</span></b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">
Aquela proveniente de Platão, do neoplatonismo e da descoberta dos livros do
Hermetismo; nela se destacava a idéia da Natureza como um grande ser vivo; o
homem faz parte da Natureza como um microcosmo (como espelho do Universo
inteiro) e pode agir sobre ela através da magia natural, da alquimia e da
astrologia, pois o mundo é constituído por vínculos e ligações secretas (a
simpatia) entre as coisas; o homem pode, também, conhecer esses vínculos e
criar outros, como um deus.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">2.</span></b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">
Aquela originária dos pensadores florentinos, que valorizava a vida ativa, isto
é, a política, e defendia os ideais republicanos das cidades italianas contra o
Império Romano-Germânico, isto é, contra o poderio dos papas e dos imperadores.
Na defesa do ideal republicano, os escritores resgataram autores políticos da
Antigüidade, historiadores e juristas, e propuseram a “imitação dos antigos” ou
o renascimento da liberdade política, anterior ao surgimento do império
eclesiástico.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">3.</span></b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">
Aquela que propunha o ideal do homem como artífice de seu próprio destino,
tanto através dos conhecimentos (astrologia, magia, alquimia), quanto através
da política (o ideal republicano), das técnicas (medicina, arquitetura,
engenharia, navegação) e das artes (pintura, escultura, literatura, teatro).<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A efervescência teórica e prática
foi alimentada com as grandes descobertas marítimas, que garantiam ao homem o
conhecimento de novos mares, novos céus, novas terras e novas gentes,
permitindo-lhe ter uma visão crítica de sua própria sociedade. Essa
efervescência cultural e política levou a críticas profundas à Igreja Romana,
culminando na Reforma Protestante, baseada na idéia de liberdade de crença e de
pensamento. À Reforma a Igreja respondeu com a Contra-Reforma e com o
recrudescimento do poder da Inquisição.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Os nomes mais importantes desse
período são: Dante, Marcílio Ficino, Giordano Bruno, Campannella, Maquiavel,
Montaigne, Erasmo, Tomás Morus, Jean Bodin, Kepler e Nicolau de Cusa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo2" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Filosofia moderna (do século XVII a meados do século XVIII)<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Esse período, conhecido como o
Grande Racionalismo Clássico, é marcado por três grandes mudanças intelectuais:<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">1.</span></b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">
Aquela conhecida como o “surgimento do sujeito do conhecimento”, isto é, a
Filosofia, em lugar de começar seu trabalho conhecendo a Natureza e Deus, para
depois referir-se ao homem, começa indagando qual é a capacidade do intelecto
humano para conhecer e demonstrar a verdade dos conhecimentos. Em outras
palavras, a Filosofia começa pela reflexão, isto é, pela volta do pensamento
sobre si mesmo para conhecer sua capacidade de conhecer.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O ponto de partida é o sujeito do
conhecimento como consciência de si reflexiva, isto é, como consciência que
conhece sua capacidade de conhecer. O sujeito do conhecimento é um intelecto no
interior de uma alma, cuja natureza ou substância é completamente diferente da
natureza ou substância de seu corpo e dos demais corpos exteriores.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Por isso, a segunda pergunta da
Filosofia, depois de respondida a pergunta sobre a capacidade de conhecer, é:
Como o espírito ou intelecto pode conhecer o que é diferente dele? Como pode
conhecer os corpos da Natureza?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">2.</span></b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">
A resposta à pergunta acima constituiu a segunda grande mudança intelectual dos
modernos, e essa mudança diz respeito ao objeto do conhecimento. Para os modernos,
as coisas exteriores (a Natureza, a vida social e política) podem ser
conhecidas desde que sejam consideradas representações, ou seja, idéias ou
conceitos formulados pelo sujeito do conhecimento.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Isso significa, por um lado, que
tudo o que pode ser conhecido deve poder ser transformado num conceito ou numa
idéia clara e distinta, demonstrável e necessária, formulada pelo intelecto; e,
por outro lado, que a Natureza e a sociedade ou política podem ser inteiramente
conhecidas pelo sujeito, porque elas são inteligíveis em si mesmas, isto é, são
racionais em si mesmas e propensas a serem representadas pelas idéias do
sujeito do conhecimento.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">3.</span></b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">
Essa concepção da realidade como intrinsecamente racional e que pode ser
plenamente captada pelas idéias e conceitos preparou a terceira grande mudança
intelectual moderna. A realidade, a partir de Galileu, é concebida como um
sistema racional de mecanismos físicos, cuja estrutura profunda e invisível é
matemática. O “livro do mundo”, diz Galileu, “está escrito em caracteres
matemáticos.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A realidade, concebida como
sistema racional de mecanismos físico-matemáticos, deu origem à ciência
clássica, isto é, à mecânica, por meio da qual são descritos, explicados e
interpretados todos os fatos da realidade: astronomia, física, química,
psicologia, política, artes são disciplinas cujo conhecimento é de tipo
mecânico, ou seja, de relações necessárias de causa e efeito entre um agente e
um paciente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A realidade é um sistema de
causalidades racionais rigorosas que podem ser conhecidas e transformadas pelo
homem. Nasce a idéia de experimentação e de tecnologia (conhecimento teórico
que orienta as intervenções práticas) e o ideal de que o homem poderá dominar
tecnicamente a Natureza e a sociedade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Predomina, assim, nesse período, a
idéia de conquista científica e técnica de toda a realidade, a partir da
explicação mecânica e matemática do Universo e da invenção das máquinas, graças
às experiências físicas e químicas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Existe também a convicção de que a
razão humana é capaz de conhecer a origem, as causas e os efeitos das paixões e
das emoções e, pela vontade orientada pelo intelecto, é capaz de governá-las e dominá-las,
de sorte que a vida ética pode ser plenamente racional.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A mesma convicção orienta o
racionalismo político, isto é, a idéia de que a razão é capaz de definir para
cada sociedade qual o melhor regime político e como mantê-lo racionalmente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Nunca mais, na história da
Filosofia, haverá igual confiança nas capacidades e nos poderes da razão humana
como houve no Grande Racionalismo Clássico. Os principais pensadores desse
período foram: Francis Bacon, Descartes, Galileu, Pascal, Hobbes, Espinosa,
Leibniz, Malebranche, Locke, Berkeley, Newton, Gassendi.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo2" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Filosofia da Ilustração ou Iluminismo (meados do século XVIII ao
começo do século XIX)<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Esse período também crê nos
poderes da razão, chamada de <b>As Luzes</b> (por isso, o nome Iluminismo). O
Iluminismo afirma que:<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● pela razão, o homem pode
conquistar a liberdade e a felicidade social e política (a Filosofia da
Ilustração foi decisiva para as idéias da Revolução Francesa de 1789);<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● a razão é capaz de evolução e
progresso, e o homem é um ser perfectível. A perfectibilidade consiste em
liberar-se dos preconceitos religiosos, sociais e morais, em libertar-se da
superstição e do medo, graças as conhecimento, às ciências, às artes e à moral;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● o aperfeiçoamento da razão se
realiza pelo progresso das civilizações, que vão das mais atrasadas (também
chamadas de “primitivas” ou “selvagens”) às mais adiantadas e perfeitas (as da
Europa Ocidental);<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">● há diferença entre Natureza e
civilização, isto é, a Natureza é o reino das relações necessárias de causa e
efeito ou das leis naturais universais e imutáveis, enquanto a civilização é o
reino da liberdade e da finalidade proposta pela vontade livre dos próprios
homens, em seu aperfeiçoamento moral, técnico e político.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Nesse período há grande interesse
pelas ciências que se relacionam com a idéia de evolução e, por isso, a
biologia terá um lugar central no pensamento ilustrado, pertencendo ao campo da
filosofia da vida. Há igualmente grande interesse e preocupação com as artes,
na medida em que elas são as expressões por excelência do grau de progresso de
uma civilização.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Data também desse período o
interesse pela compreensão das bases econômicas da vida social e política,
surgindo uma reflexão sobre a origem e a forma das riquezas das nações, com uma
controvérsia sobre a importância maior ou menor da agricultura e do comércio,
controvérsia que se exprime em duas correntes do pensamento econômico: a corrente
fisiocrata (a agricultura é a fonte principal das riquezas) e a mercantilista
(o comércio é a fonte principal da riqueza das nações).<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Os principais pensadores do
período foram: Hume, Voltaire, D’Alembert, Diderot, Rousseau, Kant, Fichte e
Schelling (embora este último costume ser colocado como filósofo do
Romantismo).<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiCaptulo" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Aspectos da Filosofia contemporânea<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiCaptulo" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="ChauiTtulo1" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">As questões discutidas pela Filosofia contemporânea<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo2" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">História e progresso<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O século XIX é, na Filosofia, o
grande século da descoberta da História ou da historicidade do homem, da
sociedade, das ciências e das artes. É particularmente com o filósofo alemão
Hegel que se afirma que a História é o modo de ser da razão e da verdade, o
modo de ser dos seres humanos e que, portanto, somos seres históricos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">No século passado, essa concepção
levou à idéia de <b>progresso</b>, isto é, de que os seres humanos, as
sociedades, as ciências, as artes e as técnicas melhoram com o passar do tempo,
acumulam conhecimento e práticas, aperfeiçoando-se cada vez mais, de modo que o
presente é melhor e superior, se comparado ao passado, e o futuro será melhor e
superior, se comparado ao presente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Essa visão otimista também foi
desenvolvida na França pelo filósofo Augusto Comte, que atribuía o progresso ao
desenvolvimento das ciências positivas. Essas ciências permitiriam aos seres
humanos “saber para prever, prever para prover”, de modo que o desenvolvimento
social se faria por aumento do conhecimento científico e do controle científico
da sociedade. É de Comte a idéia de “Ordem e Progresso”, que viria a fazer
parte da bandeira do Brasil republicano.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">No entanto, no século XX, a mesma
afirmação da historicidade dos seres humanos, da razão e da sociedade levou à
idéia de que a História é descontínua e não progressiva, cada sociedade tendo
sua História própria em vez de ser apenas uma etapa numa História universal das
civilizações.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A idéia de progresso passa a ser
criticada porque serve como desculpa para legitimar colonialismos e
imperialismos (os mais “adiantados” teriam o direito de dominar os mais
“atrasados”). Passa a ser criticada também a idéia de progresso das ciências e
das técnicas, mostrando-se que, em cada época histórica e para cada sociedade,
os conhecimentos e as práticas possuem sentido e valor próprios, e que tal
sentido e tal valor desaparecem numa época seguinte ou são diferentes numa
outra sociedade, não havendo, portanto, transformação contínua, acumulativa e
progressiva. O passado foi o passado, o presente é o presente e o futuro será o
futuro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo2" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">As ciências e as técnicas<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">No século XIX, entusiasmada com as
ciências e as técnicas, bem como com a Segunda Revolução Industrial, a
Filosofia afirmava a confiança plena e total no saber científico e na
tecnologia para dominar e controlar a Natureza, a sociedade e os indivíduos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Acreditava-se que a sociologia,
por exemplo, nos ofereceria um saber seguro e definitivo sobre o modo de
funcionamento das sociedades e que os seres humanos poderiam organizar
racionalmente o social, evitando revoluções, revoltas e desigualdades.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Acreditava-se, também, que a
psicologia ensinaria definitivamente como é e como funciona a psique humana,
quais as causas dos comportamentos e os meios de controlá-los, quais as causas
das emoções e os meios de controlá-las, de tal modo que seria possível livrar-nos
das angústias, do medo, da loucura, assim como seria possível uma pedagogia
baseada nos conhecimentos científicos e que permitiria não só adaptar
perfeitamente as crianças às exigências da sociedade, como também educá-las
segundo suas vocações e potencialidades psicológicas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">No entanto, no século XX, a
Filosofia passou a desconfiar do otimismo científico-tecnológico do século
anterior em virtude de vários acontecimentos: as duas guerras mundiais, o
bombardeio de Hiroshima e Nagasaki, os campos de concentração nazistas, as
guerras da Coréia, do Vietnã, do Oriente Médio, do Afeganistão, as invasões
comunistas da Hungria e da Tchecoslováquia, as ditaduras sangrentas da América
Latina, a devastação de mares, florestas e terras, os perigos cancerígenos de
alimentos e remédios, o aumento de distúrbios e sofrimentos mentais, etc.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Uma escola alemã de Filosofia, a
Escola de Frankfurt, elaborou uma concepção conhecida como Teoria Crítica, na
qual distingue duas formas da razão: a <b>razão instrumental</b> e a <b>razão
crítica</b>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A razão instrumental é a razão
técnico-científica, que faz das ciências e das técnicas não um meio de
liberação dos seres humanos, mas um meio de intimidação, medo, terror e
desespero. Ao contrário, a razão crítica é aquela que analisa e interpreta os
limites e os perigos do pensamento instrumental e afirma que as mudanças
sociais, políticas e culturais só se realizarão verdadeiramente se tiverem como
finalidade a emancipação do gênero humano e não as idéias de controle e domínio
técnico-científico sobre a Natureza, a sociedade e a cultura.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo2" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">As utopias revolucionárias<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">No século XIX, em decorrência do
otimismo trazido pelas idéias de progresso, desenvolvimento técnico-científico,
poderio humano para construir uma vida justa e feliz, a Filosofia apostou nas
utopias revolucionárias - anarquismo, socialismo, comunismo -, que criariam,
graças à ação política consciente dos explorados e oprimidos, uma sociedade
nova, justa e feliz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">No entanto, no século XX, com o
surgimento das chamadas sociedades totalitárias - fascismo, nazismo, stalinismo
- e com o aumento do poder das sociedades autoritárias ou ditatoriais, a
Filosofia também passou a desconfiar do otimismo revolucionário e das utopias e
a indagar se os seres humanos, os explorados e dominados serão capazes de criar
e manter uma sociedade nova, justa e feliz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O crescimento das chamadas
burocracias - que dominam as organizações estatais, empresariais,
político-partidárias, escolares, hospitalares - levou a Filosofia a indagar
como os seres humanos poderiam derrubar esse imenso poderio que os governa
secretamente, que eles desconhecem e que determina suas vidas cotidianas, desde
o nascimento até a morte.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo2" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">A cultura<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">No século XIX, a Filosofia
descobre a Cultura como o modo próprio e específico da existência dos seres
humanos. Os animais são seres naturais; os humanos, seres culturais. A Natureza
é governada por leis necessárias de causa e efeito; a Cultura é o exercício da
liberdade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A cultura é a criação coletiva de
idéias, símbolos e valores pelos quais uma sociedade define para si mesma o bom
e o mau, o belo e o feio, o justo e o injusto, o verdadeiro e o falso, o puro e
o impuro, o possível e o impossível, o inevitável e o casual, o sagrado e o
profano, o espaço e o tempo. A Cultura se realiza porque os humanos são capazes
de linguagem, trabalho e relação com o tempo. A Cultura se manifesta como vida
social, como criação das obras de pensamento e de arte, como vida religiosa e
vida política.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Para a Filosofia do século XIX, em
consonância com sua idéia de uma História universal das civilizações, haveria
uma única grande Cultura em desenvolvimento, da qual as diferentes culturas
seriam fases ou etapas. Para alguns, como os filósofos que seguiam as idéias de
Hegel, o movimento do desenvolvimento cultural era progressivo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Para outros, chamados de filósofos
românticos ou adeptos da filosofia do Romantismo, as culturas não formavam uma
seqüência progressiva, mas eram culturas nacionais. Assim, cabia à Filosofia
conhecer o “espírito de um povo” conhecendo as origens e as raízes de cada
cultura, pois o mais importante de uma cultura não se encontraria em seu
futuro, mas no seu passado, isto é, nas tradições, no folclore nacional.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">No entanto, no século XX, a
Filosofia, afirmando que a História é descontínua, também afirma que não há <b>a
Cultura</b>, mas <b>culturas</b> diferentes, e que a pluralidade de culturas e
as diferenças entre elas não se devem à nação, pois a idéia de nação é uma
criação cultural e não a causa das diferenças culturais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Cada cultura inventa seu modo de
relacionar-se com o tempo, de criar sua linguagem, de elaborar seus mitos e
suas crenças, de organizar o trabalho e as relações sociais, de criar as obras
de pensamento e de arte. Cada uma, em decorrência das condições históricas,
geográficas e políticas em que se forma, tem seu modo próprio de organizar o
poder e a autoridade, de produzir seus valores.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Contra a filosofia da cultura
universal, a Filosofia do século XX nega que haja uma única cultura em
progresso e afirma a existência da pluralidade cultural. Contra a filosofia
romântica das culturas nacionais como expressão do “espírito do povo” e do
conjunto de tradições, a Filosofia do século XX nega que a nacionalidade seja
causa das culturas (as nacionalidades são efeitos culturais temporários) e
afirma que cada cultura se relaciona com outras e encontra dentro de si seus
modos de transformação. Dessa maneira, o presente está voltado para o futuro, e
não para o conservadorismo do passado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo2" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">O fim da Filosofia<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">No século XIX, o otimismo
positivista ou cientificista levou a Filosofia a supor que, no futuro, só
haveria ciências, e que todos os conhecimentos e todas as explicações seriam
dados por elas. Assim, a própria Filosofia poderia desaparecer, não tendo
motivo para existir.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">No entanto, no século XX, a
Filosofia passou a mostrar que as ciências não possuem princípios totalmente
certos, seguros e rigorosos para as investigações, que os resultados podem ser
duvidosos e precários, e que, freqüentemente, uma ciência desconhece até onde
pode ir e quando está entrando no campo de investigação de uma outra.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Os princípios, os métodos, os
conceitos e os resultados de uma ciência podem estar totalmente equivocados ou
desprovidos de fundamento. Com isso, a Filosofia voltou a afirmar seu papel de
compreensão e interpretação crítica das ciências, discutindo a validade de seus
princípios, procedimentos de pesquisa, resultados, de suas formas de exposição
dos dados e das conclusões, etc.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Foram preocupações com a falta de
rigor das ciências que levaram o filósofo alemão Husserl a propor que a
Filosofia fosse o estudo e o conhecimento rigoroso da possibilidade do próprio
conhecimento científico, examinando os fundamentos, os métodos e os resultados
das ciências. Foram também preocupações como essas que levaram filósofos como
Bertrand Russel e Quine a estudar a linguagem científica, a discutir os
problemas lógicos das ciências e a mostrar os paradoxos e os limites do
conhecimento científico.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo2" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">A maioridade da razão<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">No século XIX, o otimismo
filosófico levava a Filosofia a afirmar que, enfim, os seres humanos haviam
alcançado a maioridade racional, e que a razão se desenvolvia plenamente para
que o conhecimento completo da realidade e das ações humanas fosse atingido.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">No entanto, Marx, no final do
século XIX, e Freud, no início do século XX, puseram em questão esse otimismo
racionalista. Marx e Freud, cada qual em seu campo de investigação e cada qual
voltado para diferentes aspectos da ação humana - Marx, voltado para a economia
e a política; Freud, voltado para as perturbações e os sofrimentos psíquicos -,
fizeram descobertas que, até agora, continuam impondo questões filosóficas. Que
descobriram eles?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Marx descobriu que temos a ilusão
de estarmos pensando e agindo com nossa própria cabeça e por nossa própria
vontade, racional e livremente, de acordo com nosso entendimento e nossa
liberdade, porque desconhecemos um poder invisível que nos força a pensar como
pensamos e agir como agimos. A esse poder - que é social - ele deu o nome de <b>ideologia</b>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Freud, por sua vez, mostrou que os
seres humanos têm a ilusão de que tudo quanto pensam, fazem, sentem e desejam,
tudo quanto dizem ou calam estaria sob o controle de nossa consciência porque
desconhecemos a existência de uma força invisível, de um poder - que é psíquico
e social - que atua sobre nossa consciência sem que ela o saiba. A esse poder
que domina e controla invisível e profundamente nossa vida consciente, ele deu
o nome de <b>inconsciente</b>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Diante dessas duas descobertas, a
Filosofia se viu forçada a reabrir a discussão sobre o que é e o que pode a
razão, sobre o que é e o que pode a consciência reflexiva ou o sujeito do
conhecimento, sobre o que são e o que podem as aparências e as ilusões.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Ao mesmo tempo, a Filosofia teve
que reabrir as discussões éticas e morais: O homem é realmente livre ou é
inteiramente condicionado pela sua situação psíquica e histórica? Se for
inteiramente condicionado, então a História e a cultura são causalidades
necessárias como a Natureza? Ou seria mais correto indagar: Como os seres
humanos conquistam a liberdade em meio a todos os condicionamentos psíquicos,
históricos, econômicos, culturais em que vivem?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo2" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif;">Infinito e finito<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O século XIX prosseguiu uma
tradição filosófica que veio desde a Antigüidade e que foi muito alimentada
pelo pensamento cristão. Nessa tradição, o mais importante sempre foi a idéia
do infinito, isto é, da Natureza eterna (dos gregos), do Deus eterno (dos
cristãos), do desenvolvimento pleno e total da História ou do tempo como
totalização de todos os seus momentos ou suas etapas. Prevalecia a idéia de
todo ou de totalidade, da qual os humanos fazem parte e na qual os humanos
participam.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">No entanto, a Filosofia do século
XX tendeu a dar maior importância ao finito, isto é, ao que surge e desaparece,
ao que tem fronteiras e limites. Esse interesse pelo finito aparece, por
exemplo, numa corrente filosófica (entre os anos 30 e 50) chamada
existencialismo e que definiu o humano ou o homem como “um ser para a morte”,
isto é, um ser que sabe que termina e que precisa encontrar em si mesmo o
sentido de sua existência.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Para a maioria dos
existencialistas, dois eram os modos privilegiados de o homem aceitar e
enfrentar sua finitude: através das artes e através da ação
político-revolucionária. Nessas formas excepcionais da atividade, os humanos
seriam capazes de dar sentido à brevidade e finitude de suas vidas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Um outro exemplo do interesse pela
finitude aparece no que se costuma chamar de filosofia da diferença, isto é,
naquela filosofia que se interessa menos pelas semelhanças e identidades e
muito mais pela singularidade e particularidade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">É assim, por exemplo, que tal
filosofia, inspirando-se nos trabalhos dos antropólogos, interessa-se pela
diversidade, pluralidade, singularidade das diferentes culturas, em lugar de
voltar-se para a idéia de uma cultura universal, que foi, no século XIX, uma
das imagens do infinito, isto é, de uma totalidade que conteria dentro de si,
como suas partes ou seus momentos, as diferentes culturas singulares.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Enfim, um outro exemplo de interesse
pela finitude aparece quando a Filosofia, em vez de buscar uma ciência
universal que conteria dentro de si todas as ciências particulares,
interessa-se pela multiplicidade e pela diferença entre as ciências, pelos
limites de cada uma delas e sobretudo por seus impasses e problemas insolúveis.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Retirado do livro: </span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Convite à Filosofia<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">De Marilena Chaui<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Ed. Ática, São Paulo, 2000.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Unidade 1<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">A Filosofia (Capítulo 4 e 5).<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Questionário:<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-left: 18.0pt; mso-list: l0 level1 lfo1; text-align: justify; text-indent: -18.0pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">1.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O
que foi a patrística?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-left: 18.0pt; mso-list: l0 level1 lfo1; text-align: justify; text-indent: -18.0pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">2.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Apresente
as principais características da filosofia medieval.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-left: 18.0pt; mso-list: l0 level1 lfo1; text-align: justify; text-indent: -18.0pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">3.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Quais
as principais características do período moderno da filosofia?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-left: 18.0pt; mso-list: l0 level1 lfo1; text-align: justify; text-indent: -18.0pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">4.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O
que quer dizer Ilustração ou Iluminismo?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-left: 18.0pt; mso-list: l0 level1 lfo1; text-align: justify; text-indent: -18.0pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">5.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Qual
a diferença entre o século XIX e o XX quanto à idéia de história?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-left: 18.0pt; mso-list: l0 level1 lfo1; text-align: justify; text-indent: -18.0pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">6.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Qual
a diferença entre o século XIX e o XX quanto à confiança nas ciências?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-left: 18.0pt; mso-list: l0 level1 lfo1; text-align: justify; text-indent: -18.0pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">7.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">O
que é finitude e por que a filosofia se interessa por ela?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-left: 18.0pt; mso-list: l0 level1 lfo1; text-align: justify; text-indent: -18.0pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">8.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Explique
a diferença entre período medieval e o renascentista. <o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-left: 18.0pt; mso-list: l0 level1 lfo1; text-align: justify; text-indent: -18.0pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">9.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Qual
o nome da concepção elaborada pela Escola de Frankfurt? Quais são suas
distinções e o significado de cada uma?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-left: 18.0pt; mso-list: l0 level1 lfo1; text-align: justify; text-indent: -18.0pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">10.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 12pt;">Examine
as diferenças entre século XIX e o XX e comente o otimismo do primeiro e o
pessimismo do segundo.<o:p></o:p></span></div>Elídio Remígio Filhohttp://www.blogger.com/profile/01269614556676149130noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2656430184649437651.post-42865682515061472662011-11-15T18:42:00.001-02:002012-02-04T00:23:09.119-02:00Ética ou Filosofia moral<br />
<div class="ChauiCaptulo">
A filosofia moral</div>
<div class="ChauiTtulo1" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Ética
ou filosofia moral</span><br />
<a name='more'></a><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Toda cultura e cada sociedade institui uma moral, isto é, valores
concernentes ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido, e à conduta correta,
válidos para todos os seus membros. Culturas e sociedades fortemente
hierarquizadas e com diferenças muito profundas de castas ou de classes podem
até mesmo possuir várias morais, cada uma delas referida aos valores de uma
casta ou de uma classe social.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">No entanto, a simples existência da moral não significa a presença
explícita de uma ética</span><br />
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">, entendida como filosofia moral, isto é, uma reflexão
que discuta, problematize e interprete o significado dos valores morais.
Podemos dizer a partir dos textos de Platão e de Aristóteles, que, no Ocidente,
a ética ou filosofia moral inicia-se com Sócrates.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Percorrendo praças e ruas de Atenas – contam Platão e Aristóteles
-, Sócrates perguntava aos atenienses, fossem jovens ou velhos, o que eram os
valores nos quais acreditavam e que respeitavam ao agir.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Sócrates embaraçava os atenienses porque os forçava a indagar qual
a origem e a essência das virtudes (valores e obrigações) que julgavam praticar
ao seguir os costumes de Atenas. Como e por que sabiam que uma conduta era boa
ou má, virtuosa ou viciosa? Por que, por exemplo, a coragem era considerada
virtude e a covardia, vício? Por que valorizavam positivamente a justiça e
desvalorizavam a injustiça, combatendo-a? Numa palavra: o que eram e o que
valiam realmente os costumes que lhes haviam sido ensinados?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Os costumes, porque são anteriores ao nosso nascimento e formam o
tecido da sociedade em que vivemos, são considerados inquestionáveis e quase
sagrados (as religiões tendem a mostrá-los como tendo sido ordenados pelos
deuses, na origem dos tempos). Ora, a palavra <i>costume</i> se diz, em grego, <i>ethos</i>
– donde, ética – e, em latim, <i>mores</i> –
donde, moral. Em outras palavras, ética e moral referem-se ao conjunto de
costumes tradicionais de uma sociedade e que, como tais, são considerados
valores e obrigações para a conduta de seus membros. Sócrates indagava o que
eram, de onde vinham, o que valiam tais costumes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Dirigindo-se aos atenienses, Sócrates lhes perguntava qual o
sentido dos <b>costumes</b> estabelecidos
(e<i>thos</i> com <i>eta</i>: os valores éticos ou morais da coletividade, transmitidos de
geração a geração), mas também indagava quais as disposições de <b>caráter</b> (<i>ethos com épsilon</i>: características pessoais, sentimentos, atitudes,
condutas individuais) que levavam alguém a respeitar ou a transgredir os
valores da cidade, e por quê.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Ao indagar o que <b>são</b> a
virtude e o bem, Sócrates realiza na verdade duas interrogações. Por um lado,
interroga a sociedade para saber se o que ela costuma (e<i>thos</i> com <i>eta</i>) considerar
virtuoso e bom corresponde efetivamente à virtude e ao bem; e, por outro lado,
interroga os indivíduos para saber se, ao agir, possuem efetivamente
consciência do significado e da finalidade de suas ações, se seu caráter ou sua
índole (<i>ethos com épsilon</i>) são
realmente virtuosos e bons. A indagação ética socrática dirige-se, portanto, à
sociedade e ao indivíduo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">As questões socráticas inauguram a ética ou filosofia moral,
porque definem o campo no qual valores e obrigações morais podem ser
estabelecidos, ao encontrar seu ponto de partida: a <b>consciência do agente moral</b>. É <b>sujeito
ético moral</b> somente aquele que sabe o que faz, conhece as causas e os fins
de sua ação, o significado de suas intenções e de suas atitudes e a essência
dos valores morais. Sócrates afirma que apenas o ignorante é vicioso ou incapaz
de virtude, pois quem sabe o que é o bem não poderá deixar de agir
virtuosamente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Se devemos a Sócrates o início da filosofia moral, devemos a
Aristóteles a distinção entre saber teorético e saber prático. O saber
teorético é o conhecimento de seres e fatos que existem e agem
independentemente de nós e sem nossa intervenção ou interferência. Temos
conhecimento teorético da Natureza. O saber prático é o conhecimento daquilo
que só existe como conseqüência de nossa ação e, portanto, depende de nós. A
ética é um saber prático. O saber prático, por seu turno, distingue-se de
acordo com a prática, considerada como <b>práxis</b>
ou como <b>técnica</b>. A ética refere-se à
práxis.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Na práxis, o agente, a ação e a finalidade do agir são
inseparáveis. Assim, por exemplo, dizer a verdade é uma virtude do agente,
inseparável de sua fala verdadeira e de sua finalidade, que é proferir uma
verdade. Na práxis ética somos aquilo que fazemos e o que fazemos é a
finalidade boa ou virtuosa. Ao contrário, na técnica, diz Aristóteles, o
agente, a ação e a finalidade da ação estão separados, sendo independentes uns
dos outros. Um carpinteiro, por exemplo, ao fazer uma mesa, realiza uma ação
técnica, mas ele próprio não é essa ação nem é a mesa produzida pela ação. A
técnica tem como finalidade a fabricação de alguma coisa diferente do agente e
da ação fabricadora. Dessa maneira, Aristóteles distingue a ética e a técnica
como práticas que diferem pelo modo de relação do agente com a ação e com a
finalidade da ação.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Também devemos a Aristóteles a definição do campo das ações
éticas. Estas não só são definidas pela virtude, pelo bem e pela obrigação, mas
também pertencem àquela esfera da realidade na qual cabem a <b>deliberação</b> e a <b>decisão</b> ou <b>escolha</b>.<o:p></o:p></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Não deliberamos e não decidimos sobre o necessário, pois o
necessário é o que é e o que será sempre, independentemente de nós. Deliberamos
e decidimos sobre o <b>possível</b>, isto
é, sobre aquilo que pode ser ou deixar de ser, porque para ser e acontecer
depende de nós, de nossa vontade e de nossa ação. Aristóteles acrescenta à
consciência moral, trazida por Sócrates, a <b>vontade
guiada pela razão</b> como o outro elemento fundamental da vida ética.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">A importância dada por Aristóteles à vontade racional, à
deliberação e à escolha o levou a considerar uma virtude como condição de todas
as outras e presente em todas elas: a <b>prudência</b>
ou <b>sabedoria prática</b>. O prudente é
aquele que, em todas as situações, é capaz de julgar e avaliar qual a atitude e
qual a ação que melhor realizarão a finalidade ética, ou seja, entre as várias
escolhas possíveis, qual a mais adequada para que o agente seja virtuoso e
realize o que é bom para si e para os outros.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Se examinarmos o pensamento filosófico dos antigos, veremos que
nele a ética afirma três grandes princípios da vida moral:<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">1.
por natureza, os seres humanos aspiram ao bem e à felicidade, que só podem ser
alcançados pela conduta virtuosa;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">2.
a virtude é uma força interior do caráter, que consiste na consciência do bem e
na conduta definida pela vontade guiada pela razão, pois cabe a esta última o
controle sobre instintos e impulsos irracionais descontrolados que existem na
natureza de todo ser humano;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">3.
a conduta ética é aquela na qual o agente sabe o que está e o que não está em
seu poder realizar, referindo-se, portanto, ao que é possível e desejável para
um ser humano. Saber o que está em nosso poder significa, principalmente, não
se deixar arrastar pelas circunstâncias, nem pelos instintos, nem por uma
vontade alheia, mas afirmar nossa independência e nossa capacidade de
autodeterminação.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo1" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">O
cristianismo: interioridade e dever<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Diferentemente de outras religiões da Antiguidade, que eram
nacionais e políticas, o cristianismo nasce como religião de indivíduos que não
se definem por seu pertencimento a uma nação ou a um Estado, mas por sua fé num
mesmo e único Deus. Em outras palavras, enquanto nas demais religiões antigas a
divindade se relacionava com a comunidade social e politicamente organizada, o
Deus cristão relaciona-se diretamente com os indivíduos que nele crêem. Isso
significa, antes de qualquer coisa, que a vida ética do cristão não será
definida por sua relação com a sociedade, mas por sua relação espiritual e
interior com Deus. Dessa maneira, o cristianismo introduz duas diferenças
primordiais na antiga concepção ética:<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">● em primeiro lugar, a idéia de que a virtude se
define por nossa relação com Deus e não com a cidade (a <i>polis</i>) nem com os outros. Nossa relação com os outros depende da
qualidade de nossa relação com Deus, único mediador entre cada indivíduo e os
demais. Por esse motivo, as duas virtudes cristãs primeiras e condições de
todas as outras são a fé (qualidade da relação de nossa alma com Deus) e a
caridade (o amor aos outros e a responsabilidade pela salvação dos outros,
conforme exige a fé). As duas virtudes são privadas, isto é, são relações do
indivíduo com Deus e com os outros, a partir da intimidade e da interioridade
de cada um;<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoListParagraph" style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-align: justify; text-indent: 0cm;">
●<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';">
</span>em segundo lugar, a afirmação de que somos dotados de vontade livre – ou
livre-arbítrio – e que o primeiro impulso de nossa liberdade dirige-se para o
mal e para o pecado, isto é, para a transgressão das leis divinas. Somos seres
fracos, pecadores, divididos entre o bem (obediência a Deus) e o mal (submissão
à tentação demoníaca). Em outras palavras, enquanto para os filósofos antigos a
vontade era uma faculdade racional capaz de dominar e controlar a desmesura
passional de nossos apetites e desejos, havendo, portanto, uma força interior
(a vontade consciente) que nos tornava morais, para o cristianismo, a própria
vontade está pervertida pelo pecado e precisamos do auxílio divino para nos
tornarmos morais.<o:p></o:p></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">O cristianismo, portanto, passa a
considerar que o ser humano é, em si mesmo e por si mesmo, incapaz de realizar
o bem e as virtudes. Tal concepção leva a introduzir uma nova idéia na moral: a
idéia do <b>dever</b>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Por meio da revelação aos profetas (Antigo
Testamento) e de Jesus Cristo (Novo Testamento), Deus tornou sua vontade e sua
lei manifesta aos seres humanos, definindo eternamente o bem e o mal, a virtude
e o vício, a felicidade e a infelicidade, a salvação e o castigo. Aos humanos,
cabe reconhecer a vontade e a lei de Deus, cumprindo-as obrigatoriamente, isto
é, por <b>atos de dever</b>. Estes tornam
morais um sentimento, uma intenção, uma conduta ou uma ação.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Mesmo quando, a partir do Renascimento, a
filosofia moral distancia-se dos princípios teológicos e da fundamentação
religiosa da ética, a idéia do dever permanecerá como uma das marcas principais
da concepção ética ocidental. Com isso, a filosofia moral passou a distinguir
três tipos fundamentais de conduta:<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">1. a conduta moral ou ética, que se realiza de acordo
com as normas e as regras impostas pelo dever;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">2. a conduta imoral ou antiética, que se realiza
contrariando as normas e as regras fixadas pelo dever;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">3. a conduta indiferente à moral, quando agimos em
situações que não são definidas pelo bem e pelo mal, e nas quais não se impõem
as normas e as regras do dever.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Juntamente com a idéia do dever, a moral
cristã introduziu outra, também decisiva na constituição da moralidade
ocidental: a idéia de <b>intenção</b>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">O dever não se refere apenas às ações
visíveis, mas também às <b>intenções
invisíveis</b>, que passam a ser julgadas eticamente. Eis por que um cristão,
quando se confessa, obriga-se a confessar pecados cometidos por atos, palavras
e intenções. Sua alma, invisível, tem o testemunho do olhar de Deus, que a
julga.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo1" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Razão,
desejo e vontade<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">A tradição filosófica que examinamos até aqui constitui o <b>racionalismo ético</b>, pois atribui à
razão humana o lugar central na vida ética. Duas correntes principais formam a
tradição racionalista: aquela que identifica razão com inteligência, ou
intelecto – corrente intelectualista – e aquela que considera que, na moral, a
razão identifica-se com a vontade – corrente voluntarista.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Para a concepção intelectualista, a vida ética ou vida virtuosa
depende do conhecimento, pois é somente por ignorância que fazemos o mal e nos
deixamos arrastar por impulsos e paixões contrários à virtude e ao bem. O ser
humano, sendo essencialmente racional, deve fazer com que sua razão ou
inteligência (o intelecto) conheça os fins morais, os meios morais e a
diferença entre bem e mal, de modo a conduzir a vontade no momento da
deliberação e da decisão. A vida ética depende do desenvolvimento da
inteligência ou razão, sem a qual a vontade não poderá atuar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Para a concepção voluntarista, a vida ética ou moral depende
essencialmente da nossa vontade, porque dela depende nosso agir e porque ela
pode querer ou não querer o que a inteligência lhe ordena. Se a vontade for
boa, seremos virtuosos, se for má, seremos viciosos. A vontade boa orienta
nossa inteligência no momento da escolha de uma ação, enquanto a vontade má
desvia nossa razão da boa escolha, no momento de deliberar e de agir. A vida
ética depende da qualidade de nossa vontade e da disciplina para forçá-la rumo
ao bem. O dever educa a vontade para que se torne reta e boa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Nas duas correntes, porém, há concordância quanto à idéia de que,
por natureza, somos seres passionais, cheios de apetites, impulsos e desejos
cegos, desenfreados e desmedidos, cabendo à razão (seja como inteligência, no
intelectualismo, seja como vontade, no voluntarismo) estabelecer limites e
controles para paixões e desejos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Para a concepção racionalista, a filosofia moral é o conhecimento
das motivações e intenções (que movem interiormente o sujeito moral) e dos
meios e fins da ação moral capazes de concretizar aquelas motivações e
intenções. Convém observar que a posição de Kant, embora racionalista, difere
das demais porque considera irrelevantes as motivações e intenções do sujeito,
uma vez que a ética diz respeito à forma universal do ato moral, como ato livre
de uma vontade racional boa, que age por dever segundo as leis universais que
deu a si mesma. O imperativo categórico exclui motivos e intenções (que são
sempre particulares) porque estes o transformariam em algo condicionado por
eles e, portanto, o tornaria um imperativo hipotético, destruindo-o como
fundamento universal da ação ética por dever.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTtulo1" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Ética
das emoções e do desejo<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">O racionalismo ético não é a única concepção filosófica da moral. Outra
concepção filosófica é conhecida como <b>emotivismo
ético</b>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Para o emotivismo ético, o fundamento da vida moral não é a razão,
mas a emoção. Nossos sentimentos são causas das normas e dos valores éticos.
Inspirando-se em Rousseau, alguns emotivistas afirmam a bondade natural de
nossos sentimentos e nossas paixões, que são, por isso, a forma e o conteúdo da
existência moral como relação intersubjetiva e interpessoal. Outros emotivistas
salientam a utilidade dos sentimentos ou das emoções para nossa sobrevivência e
para nossas relações com os outros, cabendo à ética orientar essa utilidade de
modo a impedir a violência e garantir relações justas entre os seres humanos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Há ainda outra concepção ética, francamente contrária à
racionalista (e, por isso, muitas vezes chamada de <b>irracionalista</b>), que contesta à razão o poder e o direito de
intervir sobre o desejo e as paixões, identificando a liberdade com a plena
manifestação do desejante e do passional. Essa concepção encontra-se em
Nietzsche e em vários filósofos contemporâneos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Embora com variantes, essa concepção filosófica pode ser resumida
nos seguintes pontos principais, tendo como referência a obra nietzschiana “<i>A genealogia da moral”</i>:<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">● a moral racionalista foi erguida com finalidade
repressora e não para garantir o exercício da liberdade;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">● a moral racionalista transformou tudo o que é
natural e espontâneo nos seres humanos em vício, falta, culpa, e impôs a eles,
com os nomes de virtude e dever, tudo o que oprime a natureza humana;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">● paixões, desejos e vontade referem-se à vida e à
expansão de nossa força vital, portanto, não se referem, espontaneamente, ao
bem e ao mal, pois estes são uma invenção da moral racionalista;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">● a moral racionalista foi inventada pelos fracos para
controlar e dominar os fortes, cujos desejos, paixões e vontade afirmam a vida,
mesmo na crueldade e na agressividade. Por medo da força vital dos fortes, os
fracos condenaram paixões e desejos, submeteram a vontade à razão, inventaram o
dever e impuseram castigos para os transgressores;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">● transgredir normas e regras estabelecidas é a
verdadeira expressão da liberdade e somente os fortes são capazes dessa
ousadia. Para disciplinar e dobrar a vontade dos fortes, a moral racionalista,
inventada pelos fracos, transformou a transgressão em falta, culpa e castigo;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">● a força vital se manifesta como saúde do corpo e da
alma, como força da imaginação criadora. Por isso, os fortes desconhecem
angústia, medo, remorso, humildade, inveja. A moral dos fracos, porém, é
atitude preconceituosa e covarde dos que temem a saúde e a vida, invejam os
fortes e procuram, pela mortificação do corpo e pelo sacrifício do espírito,
vingar-se da força vital;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">● a moral dos fracos é produto do ressentimento, que
odeia e teme a vida, envenenando-a com a culpa e o pecado, voltando contra si
mesma o ódio à vida;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">● a moral dos ressentidos, baseada no medo e no ódio à
vida (às paixões, aos desejos, à vontade forte), inventa outra vida, futura,
eterna, incorpórea, que será dada como recompensa aos que sacrificarem seus
impulsos vitais e aceitarem os valores dos fracos;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">● a sociedade, governada por fracos hipócritas, impõe
aos fortes modelos éticos que os enfraqueçam e os tornem prisioneiros dóceis da
hipocrisia da moral vigente;<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">● é preciso manter os fortes, dizendo-lhes que o bem é
tudo o que fortalece o desejo da vida e o mal tudo o que é contrário a esse
desejo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Para esses filósofos, que podemos chamar
de anti-racionalistas, a moral racionalista ou dos fracos e ressentidos que
temem a vida, o corpo, o desejo e as paixões é a <b>moral dos escravos</b>, dos que renunciam à verdadeira liberdade ética.
São exemplos dessa moral de escravos: a ética socrática, a moral kantiana, a
moral judaico-cristã, a ética da utopia socialista, a ética democrática, em
suma, toda moral que afirme que os humanos são iguais, seja por serem racionais
(Sócrates, Kant), seja por serem irmãos (religião judaico-cristã), seja por
possuírem os mesmos direitos (ética socialista e democrática).<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Contra a concepção dos escravos, afirma-se a <b>moral dos senhores</b> ou a ética dos
melhores, dos <i>aristoi</i><a href="file:///D:/Meus%20Documentos/A%20Filosofia_escola/Textos/%C3%89tica%20ou%20filosofia%20da%20moral.docx#_edn1" name="_ednref1" title=""><sup><sup><span style="font-size: 11pt; line-height: 115%;">[i]</span></sup></sup></a>,
a <b>moral aristocrática</b>, fundada nos instintos
vitais, nos desejos e naquilo que Nietzsche chama de <b>vontade de potência</b>, cujo modelo se encontra nos guerreiros belos e
bons das sociedades antigas, baseadas na guerra, nos combates e nos jogos, nas
disputas pela glória e pela fama, na busca da honra e da coragem.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Outro crítico da moral racionalista, Marx
afirmava que os valores da moral vigente – liberdade, felicidade,
racionalidade, respeito à subjetividade e à humanidade de cada um, etc. – eram
hipócritas não em si mesmos (como julgava Nietzsche), mas porque eram
irrealizáveis e impossíveis numa sociedade violenta como a nossa, baseada na
exploração do trabalho, na desigualdade social e econômica, na exclusão de uma
parte da sociedade dos direitos políticos e culturais. A moral burguesa, dizia
Marx, pretende ser um racionalismo humanista, mas as condições materiais
concretas em que vive a maioria da sociedade impedem a existência plena de um
ser humano que realize os valores éticos. Para Marx, portanto, tratava-se de
mudar a sociedade para que a ética pudesse concretizar-se.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Críticas semelhantes foram feitas por
pensadores socialistas, anarquistas, utópicos, para os quais o problema não se
encontrava na razão como poderio dos fracos ressentidos contra os fortes, mas
no modo como a sociedade está organizada, pois nela o imperativo categórico
kantiano, por exemplo, não pode ser respeitado, uma vez que a organização
social coloca uma parte da sociedade como coisa, instrumento ou meio para a
outra parte.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
Texto
retirado do livro:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
Convite
à Filosofia<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
De
Marilena Chaui<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
Ed.
Ática, São Paulo, 2000.<o:p></o:p></div>
<div class="ChauiUnidade" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Unidade 8 - O mundo da prática<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Questões:<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 18.0pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-list: l0 level1 lfo2; text-align: justify; text-indent: -18.0pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">1.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';">
</span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Qual é a diferença entre existência moral
e filosofia moral?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 18.0pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-list: l0 level1 lfo2; text-align: justify; text-indent: -18.0pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">2.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';">
</span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">O que quer dizer ética e a moral?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 18.0pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-list: l0 level1 lfo2; text-align: justify; text-indent: -18.0pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">3.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';">
</span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Quais os três grandes princípios da vida
moral afirmados pelo pensamento antigo?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 18.0pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-list: l0 level1 lfo2; text-align: justify; text-indent: -18.0pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">4.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';">
</span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Que inovações éticas surgiram com o
advento do cristianismo?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 18.0pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-list: l0 level1 lfo2; text-align: justify; text-indent: -18.0pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">5.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';">
</span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Por que o cristianismo introduziu a idéia
de dever?<o:p></o:p></span></div>
<div class="ChauiTexto" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 18.0pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-list: l0 level1 lfo2; text-align: justify; text-indent: -18.0pt;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">6.<span style="font: normal normal normal 7pt/normal 'Times New Roman';">
</span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt;">Explique as concepções de Nietzsche de
“moral dos Escravos” e “moral dos senhores”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div>
<br />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<div id="edn1">
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<a href="file:///D:/Meus%20Documentos/A%20Filosofia_escola/Textos/%C3%89tica%20ou%20filosofia%20da%20moral.docx#_ednref1" name="_edn1" title=""><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 11pt; line-height: 115%;">[i]</span></a> <i><span style="font-size: 8pt;">Aristoi</span></i><span style="font-size: 8pt;">, do grego, os melhores. Essa palavra referia-se
àqueles que realizavam de um modo excelente os valores gregos da coragem na
guerra, da beleza física e do respeito aos deuses. São a <b>elite</b> ou a classe dominante.</span></div>
</div>
</div>Elídio Remígio Filhohttp://www.blogger.com/profile/01269614556676149130noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2656430184649437651.post-22046904759216553242011-06-05T11:15:00.000-03:002011-06-05T11:15:33.371-03:00Amanda Gurgel em Minas Gerais<iframe width="480" height="295" src="http://www.youtube.com/embed/8C5mSuYo704?fs=1" frameborder="0" allowFullScreen=""></iframe>Elídio Remígio Filhohttp://www.blogger.com/profile/01269614556676149130noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2656430184649437651.post-65531204824538998052011-06-05T11:03:00.000-03:002011-06-05T11:03:04.837-03:00Depoimento da Professora Amanda Gurgelhttp://youtu.be/yFkt0O7lceAElídio Remígio Filhohttp://www.blogger.com/profile/01269614556676149130noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2656430184649437651.post-50213949260837293932011-04-06T22:03:00.001-03:002011-04-06T22:05:15.246-03:00Link sobre a constitucionalidade do PISO SALARIAL DO PROFESSOR.http://noticias.bol.uol.com.br/brasil/2011/04/06/stf-decide-que-piso-salarial-para-professores-e-constitucional.jhtmElídio Remígio Filhohttp://www.blogger.com/profile/01269614556676149130noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2656430184649437651.post-8300130039618061622011-03-24T00:25:00.000-03:002012-02-04T00:23:46.077-02:00Alegoria da caverna - Platão<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: center;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">O diálogo de Sócrates e Glauco<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Trata-se de um diálogo metafórico onde as falas na primeira pessoa são de Sócrates, e seus interlocutores, Glauco e Adimanto, são os irmãos mais novos de Platão. No diálogo, é dada ênfase ao processo de conhecimento, mostrando a visão de mundo do ignorante, que vive de senso comum, e do filósofo, na sua eterna busca da verdade.</span><br />
<a name='more'></a><span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Sócrates - Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoços acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Glauco– Estou vendo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Sócrates – Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que os transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Glauco - Um quadro estranho e estranhos prisioneiros.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Sócrates - Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e de seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica defronte?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Glauco - Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Sócrates - E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Glauco - Sem dúvida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Sócrates - Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Glauco - É bem possível.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Sócrates - E se a parede do fundo da prisão provocasse eco sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Glauco - Sim, por Zeus!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Sócrates - Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Glauco - Assim terá de ser.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Sócrates - Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Glauco - Muito mais verdadeiras.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Sócrates - E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Glauco - Com toda a certeza.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Sócrates - E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Glauco - Não o conseguirá, pelo menos de início.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Sócrates - Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e sua luz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Glauco - Sem dúvida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Sócrates - Por fim, suponho eu, será o sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal qual é.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Glauco - Necessariamente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Sócrates - Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Glauco - É evidente que chegará a essa conclusão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Sócrates - Ora, lembrando-se de sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Glauco - Sim, com certeza, Sócrates.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Sócrates - E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Glauco - Sou de tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Sócrates - Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: Não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">'''Glauco''' - Por certo que sim.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Sócrates - E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Glauco - Sem nenhuma dúvida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Sócrates - Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar, ponto por ponto, esta imagem ao que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão na caverna, e a luz do fogo que a ilumina com a força do Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha idéia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Deus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a idéia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Glauco - Concordo com a tua opinião, até onde posso compreendê-la.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">(Platão, A República, v. II p.&nbsp;105 a 109)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;"><o:p><b><span class="Apple-style-span" style="background-color: red;"> <span class="Apple-style-span" style="background-color: white;">Síntese:</span></span></b></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: center;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Mito da caverna<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Imaginemos um muro bem alto separando o mundo externo e uma caverna. Na caverna existe uma fresta por onde passa um feixe de luz exterior. No interior da caverna permanecem seres humanos, que nasceram e cresceram ali.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Ficam de costas para a entrada, acorrentados, sem poder locomover-se, forçados a olhar somente a parede do fundo da caverna, onde são projetadas sombras de outros homens que, além do muro, mantêm acesa uma fogueira.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Os prisioneiros julgam que essas sombras sejam a realidade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Um dos prisioneiros é libertado por uma força natural e fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões. Aos poucos vai se movendo e avança na direção do muro e o escala, com dificuldade enfrenta os obstáculos que encontra e sai da caverna, descobrindo não apenas que as sombras eram feitas por homens como eles, e mais além todo o mundo e a natureza.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Logo depois decide voltar e contar as maravilhas do mundo que vira, mas ele é ignorado e logo depois o espancam e o batem até a morte por dizer tal coisa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Cambria, serif; font-size: 12pt;">Platão não buscava as verdadeiras essências da forma física como buscavam Demócrito e seus seguidores. Sob a influência de Sócrates, ele buscava a verdade essencial das coisas. E o personagem como Sócrates foi morto por expressar sua opinião e querer mostrar um mundo totalmente diferente. É como se você acreditasse desde que nasceu no que a sociedade acredita e então vem alguém e diz que tudo o que ele acredita e falso e tenta impor novos conceitos. O povo naquela época achava que isso era uma revolta contra a sociedade e por essa razão Sócrates foi morto.<o:p></o:p></span></div>Elídio Remígio Filhohttp://www.blogger.com/profile/01269614556676149130noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2656430184649437651.post-87385629955670741392011-03-22T09:43:00.000-03:002012-02-04T00:24:38.836-02:00Convite à Filosofia - O conhecimento<b style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">O conhecimento</b><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><b>Capítulo 1</b></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><b><br />
</b></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><b>A preocupação com o conhecimento</b></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><b><br />
</b></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><b>O conhecimento e os primeiros filósofos</b></span><br />
<a name='more'></a><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Quando estudamos o nascimento da Filosofia na Grécia, vimos que os primeiros filósofos – os pré-socráticos – dedicavam-se a um conjunto de indagações principais: Por que e como as coisas existem? O que é o mundo? Qual a origem da Natureza e quais as causas de sua transformação? Essas indagações colocavam no centro a pergunta: o que é o Ser?</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">A palavra ser em português, traduz a palavra latina esse e a expressão grega ta onta. A palavra latina esse é o infinitivo de um verbo, o verbo ser. A expressão grega ta onta quer dizer: as coisas existentes, os entes, os seres. No singular, ta onta se diz to on, que é traduzida por: o ser. Os primeiros filósofos ocupavam-se com a origem e a ordem do mundo, o kosmos, e a filosofia nascente era uma cosmologia. Pouco a pouco, passou-se a indagar o que era o próprio kosmos, qual era o fundo eterno e imutável que permanecia sob a multiplicidade e transformação das coisas. Qual era e o que era o ser subjacente a todos os seres. Com isto, a filosofia nascente tornou-se ontologia, isto é, conhecimento ou saber sobre o ser.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Por esse mesmo motivo, considera-se que os primeiros filósofos não tinham uma preocupação principal com o conhecimento enquanto conhecimento, isto é, não indagavam se podemos ou não conhecer o Ser, mas partiam da pressuposição de que o podemos conhecer, pois a verdade, sendo aletheia, isto é, presença e manifestação das coisas para os nossos sentidos e para o nosso pensamento, significa que o Ser está manifesto e presente para nós e, portanto, nós o podemos conhecer.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Todavia, a opinião de que os primeiros filósofos não se preocupavam com nossa capacidade e possibilidade de conhecimento não é exata. Para tanto, basta levarmos em conta o fato de afirmarem que a realidade (o Ser, a Natureza) é racional e que a podemos conhecer porque também somos racionais; nossa razão é parte da racionalidade do mundo, dela participando.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><br />
</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><b>Heráclito, Parmênides e Demócrito</b></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Alguns exemplos indicam a existência da preocupação dos primeiros filósofos com o conhecimento e, aqui, tomaremos três: Heráclito de Éfeso, Parmênides de Eléia e Demócrito de Abdera.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Heráclito de Éfeso considerava a Natureza (o mundo, a realidade) como um “fluxo perpétuo”, o escoamento contínuo dos seres em mudança perpétua. Dizia: “Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque as águas nunca são as mesmas e nós nunca somos os mesmos”. Comparava o mundo à chama de uma vela que queima sem cessar, transformando a cera em fogo, o fogo em fumaça e a fumaça em ar. O dia se torna noite, o verão se torna outono, o novo fica velho, o quente esfria, o úmido seca, tudo se transforma no seu contrário.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">A realidade, para Heráclito, é a harmonia dos contrários, que não cessam de se transformar uns nos outros. Se tudo não cessa de se transformar perenemente, como explicar que nossa percepção nos ofereça as coisas como se fossem estáveis, duradouras e permanentes? Com essa pergunta o filósofo indicava a diferença entre o conhecimento que nossos sentidos nos oferecem e o conhecimento que nosso pensamento alcança, pois nossos sentidos nos oferecem a imagem da estabilidade e nosso pensamento alcança a verdade como mudança contínua.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Parmênides de Eléia colocava-se na posição oposta à de Heráclito. Dizia que só podemos pensar sobre aquilo que permanece sempre idêntico a si mesmo, isto é, que o pensamento não pode pensar sobre as coisas que são e não são, que ora são de um modo e ora são de outro, que são contrárias a si mesmas e contraditórias.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Conhecer é alcançar o idêntico, imutável. Nossos sentidos nos oferecem a imagem de um mundo em incessante mudança, num fluxo perpétuo, onde nada permanece idêntico a si mesmo: o dia vira noite, o inverno vira primavera, o doce se torna amargo, o pequeno vira grande, o grande diminui, o doce amarga, o quente esfria, o frio se aquece, o líquido vira vapor ou vira sólido.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Como pensar o que é e o que não é ao mesmo tempo? Como pensar o instável? Como pensar o que se torna oposto e contrário a si mesmo? Não é possível, dizia Parmênides. Pensar é dizer o que um ser é em sua identidade profunda e permanente. Com isso, afirmava o mesmo que Heráclito – perceber e pensar são diferentes -, mas o dizia no sentido oposto ao de Heráclito, isto é, percebemos mudanças impensáveis e devemos pensar identidades imutáveis.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Demócrito de Abdera desenvolveu uma teoria sobre o Ser ou sobre a Natureza conhecida com o nome de atomismo: a realidade é constituída por átomos. A palavra átomo tem origem grega e significa: o que não pode ser cortado ou dividido, isto é, a menor partícula indivisível de todas as coisas. Os seres surgem por composição dos átomos, transformam-se por novos arranjos dos átomos e morrem por separação dos átomos.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Os átomos, para Demócrito, possuem formas e consistências diferentes (redondos, triangulares, lisos, duros, moles, rugosos, pontiagudos, etc.) e essas diferenças e os diferentes modos de combinação entre eles produzem a variedade de seres, suas mudanças e desaparições. Através de nossos órgãos dos sentidos, percebemos o quente e o frio, o doce e o amargo, o seco e o úmido, o grande e o pequeno, o duro e o mole, sabores, odores, texturas, o agradável e o desagradável, sentimos prazer e dor, porque percebemos os efeitos das combinações dos átomos que, em si mesmos, não possuem tais qualidades.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Somente o pensamento pode conhecer os átomos, que são invisíveis para nossa percepção sensorial. Dessa maneira, Demócrito concordava com Heráclito e Parmênides em que há uma diferença entre o que conhecemos através de nossa percepção e o que conhecemos apenas pelo pensamento; porém, diversamente dos outros dois filósofos, não considerava a percepção ilusória, mas apenas um efeito da realidade sobre nós. O conhecimento sensorial ou sensível é tão verdadeiro quanto aquilo que o pensamento puro alcança, embora de uma verdade diferente e menos profunda ou menos relevante do que aquela alcançada pelo puro pensamento.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Esses três exemplos nos mostram que, desde os seus começos, a Filosofia preocupou-se com o problema do conhecimento, pois sempre esteve voltada para a questão do verdadeiro. Desde o início, os filósofos se deram conta de que nosso pensamento parece seguir certas leis ou regras para conhecer as coisas e que há uma diferença entre perceber e pensar. Pensamos a partir do que percebemos ou pensamos negando o que percebemos? O pensamento continua, nega ou corrige a percepção? O modo como os seres nos aparecem é o modo como os seres realmente são?</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><br />
</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><b>Sócrates e os sofistas</b></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Preocupações como essas levaram, na Grécia clássica, a duas atitudes filosóficas: a dos sofistas e a de Sócrates – com eles, os problemas do conhecimento tornaram-se centrais.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Os sofistas, diante da pluralidade e do antagonismo das filosofias anteriores, ou dos conflitos entre as várias ontologias, concluíram que não podemos conhecer o Ser, mas só podemos ter opiniões subjetivas sobre a realidade.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Por isso, para se relacionarem com o mundo e com os outros humanos, os homens devem valer-se de um outro instrumento – a linguagem – para persuadir os outros de suas próprias idéias e opiniões. A verdade é uma questão de opinião e de persuasão, e a linguagem é mais importante do que a percepção e o pensamento.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Em contrapartida, Sócrates, distanciando-se dos primeiros filósofos e opondo-se aos sofistas, afirmava que a verdade pode ser conhecida, mas primeiro devemos afastar as ilusões dos sentidos e as das palavras ou das opiniões e alcançar a verdade apenas pelo pensamento. Os sentidos nos dão as aparências das coisas e as palavras, meras opiniões sobre elas. Conhecer é passar da aparência à essência, da opinião ao conceito, do ponto de vista individual à idéia universal de cada um dos seres e de cada um dos valores da vida moral e política.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><br />
</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><b>Platão e Aristóteles</b></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Sócrates fez a Filosofia preocupar-se com nossa possibilidade de conhecer e indagar quais as causas das ilusões, dos erros e da mentira. No esforço para definir as formas de conhecer e as diferenças entre o conhecimento verdadeiro e a ilusão, Platão e Aristóteles introduziram na Filosofia a idéia de que existem diferentes maneiras de conhecer ou graus de conhecimento e que esses graus se distinguem pela ausência ou presença do verdadeiro, pela ausência ou presença do falso.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Platão distingue quatro formas ou graus de conhecimento, que vão do grau inferior ao superior: crença, opinião, raciocínio e intuição intelectual. Para ele, os dois primeiros graus devem ser afastados da Filosofia – são conhecimentos ilusórios ou das aparências, como os dos prisioneiros da caverna – e somente os dois últimos devem ser considerados válidos. O raciocínio treina e exercita nosso pensamento, preparando-o para uma purificação intelectual que lhe permitirá alcançar uma intuição das idéias ou das essências que formam a realidade ou que constituem o Ser.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Para Platão, o primeiro exemplo do conhecimento puramente intelectual e perfeito encontra-se na matemática, cujas idéias nada devem aos órgãos dos sentidos e não se reduzem a meras opiniões subjetivas. O conhecimento matemático seria a melhor preparação do pensamento para chegar à intuição intelectual das idéias verdadeiras, que constituem a verdadeira realidade.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Platão diferencia e separa radicalmente duas formas de conhecimento: o conhecimento sensível (crença e opinião) e o conhecimento intelectual (raciocínio e intuição) afirmando que somente o segundo alcança o Ser e a verdade. O conhecimento sensível alcança a mera aparência das coisas, o conhecimento intelectual alcança a essência das coisas, as idéias.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Aristóteles distingue sete formas ou graus de conhecimento: sensação, percepção, imaginação, memória, raciocínio e intuição. Para ele, ao contrário de Platão, nosso conhecimento vai sendo formado e enriquecido por acumulação das informações trazidas por todos os graus, de modo que, em lugar de uma ruptura entre o conhecimento sensível e o intelectual, Aristóteles estabelece uma continuidade entre eles.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">A separação se dá entre os seis primeiros graus e o último, ou a intuição, que é puramente intelectual ou um ato do pensamento puro. Essa separação, porém, não significa que os outros graus ofereçam conhecimentos ilusórios ou falsos e sim que oferecem tipos de conhecimentos diferentes, que vão de um grau menor a um grau maior de verdade.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Em cada um deles temos acesso a um aspecto do Ser ou da realidade e, na intuição intelectual, temos o conhecimento pleno e total da realidade ou dos princípios da realidade plena e total, aquilo que Aristóteles chamava de “o Ser enquanto Ser”.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">A diferença entre os seis primeiros graus e o último decorre da diferença do objeto do conhecimento, isto é, os seis primeiros graus conhecem objetos que se oferecem a nós na sensação, na imaginação, no raciocínio, enquanto o sétimo lida com um objeto que só pode ser alcançado pelo pensamento puro.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><br />
</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><b>Princípios gerais</b></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Com os filósofos gregos, estabeleceram-se alguns princípios gerais do conhecimento verdadeiro:</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">● as fontes e as formas do conhecimento: sensação, percepção, imaginação, memória, linguagem, raciocínio e intuição intelectual;</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">● a distinção entre o conhecimento sensível e o conhecimento intelectual;</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">● o papel da linguagem no conhecimento;</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">● a diferença entre opinião e saber;</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">● a diferença entre aparência e essência;</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">● a definição dos princípios do pensamento verdadeiro (identidade, não-contradição, terceiro excluído, causalidade), da forma do conhecimento verdadeiro (idéias, conceitos e juízos) e dos procedimentos para alcançar o conhecimento verdadeiro (indução, dedução, intuição);</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">● a distinção dos campos do conhecimento verdadeiro, sistematizados por Aristóteles em três ramos: teorético (referente aos seres que apenas podemos contemplar ou observar, sem agir sobre eles ou neles interferir), prático (referente às ações humanas: ética, política e economia) e técnico (referente à fabricação e ao trabalho humano, que pode interferir no curso da Natureza, criar instrumentos ou artefatos: medicina, artesanato, arquitetura, poesia, retórica, etc.).</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Para os gregos, a realidade é a Natureza e dela fazem parte os humanos e as instituições humanas. Por sua participação na Natureza, os humanos podem conhecê-la, pois são feitos dos mesmos elementos que ela e participam da mesma inteligência que a habita e dirige.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">O poeta alemão Goethe criou estes versos, que exprimem como os antigos concebiam o conhecimento:</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Se os olhos não fossem solares</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Jamais o Sol nós veríamos;</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Se em nós não estivesse a própria força divina,</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Como o divino sentiríamos?</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">O intelecto humano conhece a inteligibilidade do mundo, alcança a racionalidade do real e pode pensar a realidade porque nós e ela somos feitos da mesma maneira, com os mesmos elementos e com a mesma inteligência.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><br />
</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><b>Os filósofos modernos e a teoria do conhecimento</b></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Quando se diz que a teoria do conhecimento tornou-se uma disciplina específica da Filosofia somente com os filósofos modernos (a partir do século XVII) não se pretende dizer que antes deles o problema do conhecimento não havia ocupado outros filósofos, e sim que, para os modernos, a questão do conhecimento foi considerada anterior à da ontologia e pré-condição ou pré-requisito para a Filosofia e as ciências.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Por que essa mudança de perspectiva dos gregos para os modernos? Porque entre eles instala-se o cristianismo, trazendo problemas que os antigos filósofos desconheciam.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">A perspectiva cristã introduziu algumas distinções que romperam com a idéia grega de uma participação direta e harmoniosa entre o nosso intelecto e a verdade, nosso ser e o mundo. O cristianismo fez distinção entre fé e razão, verdades reveladas e verdades racionais, matéria e espírito, corpo e alma; afirmou que o erro e a ilusão são parte da natureza humana em decorrência do caráter pervertido de nossa vontade, após o pecado original.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><br />
</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><b>Em conseqüência, a Filosofia precisou enfrentar três problemas novos:</b></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">1. Como, sendo seres decaídos e pervertidos, podemos conhecer a verdade?</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">2. Sendo nossa natureza dupla (matéria e espírito), como nossa inteligência pode conhecer o que é diferente dela? Isto é, como seres corporais podem conhecer o incorporal (Deus) e como seres dotados de alma incorpórea podem conhecer o corpóreo (mundo)?</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">3. Os filósofos antigos consideravam que éramos entes participantes de todas as formas de realidade: por nosso corpo, participamos da Natureza; por nossa alma, participamos da Inteligência divina. O cristianismo, ao introduzir a noção de pecado original, introduziu a separação radical entre os humanos (pervertidos e finitos) e a divindade (perfeita e infinita). Com isso, fez surgir a pergunta: como o finito (humano) pode conhecer a verdade (infinita e divina)?</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Eis porque, durante toda a Idade Média, a fé tornou-se central para a Filosofia, pois era através dela que essas perguntas eram respondidas. Auxiliada pela graça divina, a fé iluminava nosso intelecto e guiava nossa vontade, permitindo à nossa razão o conhecimento do que está ao seu alcance, ao mesmo tempo em que nossa alma recebia os mistérios da revelação. A fé nos fazia saber (mesmo que não pudéssemos compreender como isso era possível) que, pela vontade soberana de Deus, era concedido à nossa alma imaterial conhecer as coisas materiais.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Os filósofos modernos, porém, não aceitaram essas respostas e por esse motivo a questão do conhecimento tornou-se central para eles.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Os gregos se surpreendiam que pudesse haver erro, ilusão e mentira. Como a verdade – aletheia – era concebida como presença e manifestação do verdadeiro aos nossos sentidos ou ao nosso intelecto, isto é, como presença do Ser à nossa experiência sensível ou ao puro pensamento, a pergunta filosófica só podia ser: Como é possível o erro ou a ilusão? Ou seja, como é possível ver o que não é, dizer o que não é, pensar o que não é?</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Para os modernos, a situação é exatamente contrária. Se a verdade depende da revelação e da vontade divinas, e se nosso intelecto foi pervertido pela nossa vontade pecadora, como podemos conhecer a verdade? Se a verdade depender da fé e se depender da fraqueza da nossa vontade, como nossa razão poderá conhecê-la?</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">O cristianismo, particularmente com santo Agostinho, trouxe a idéia de que cada ser humano é uma pessoa. Essa idéia vem do Direito Romano, que define a pessoa como um sujeito de direitos e de deveres. Se somos pessoas, somos responsáveis por nossos atos e pensamentos. Nossa pessoa é nossa consciência, que é nossa alma dotada de vontade, imaginação, memória e inteligência.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">A vontade é livre e, aprisionada num corpo passional e fraco, pode mergulhar nossa alma na ilusão e no erro. Estar no erro ou na verdade dependerá, portanto, de nós mesmos e por isso precisamos saber se podemos ou não conhecer a verdade e em que condições tal conhecimento é possível. Os primeiros filósofos cristãos e os medievais afirmavam que podemos conhecer a verdade, desde que a razão não contradiga a fé e se submeta a ela no tocante às verdades últimas e principais.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">A primeira tarefa que os modernos se deram foi a de separar fé de razão, considerando cada uma delas destinada a conhecimentos diferentes e sem qualquer relação entre si. A segunda tarefa foi a de explicar como a alma-consciência, embora diferente dos corpos, pode conhecê-los. Consideraram que a alma pode conhecer os corpos porque os representa intelectualmente por meio das idéias e estas são imateriais como a própria alma. A terceira tarefa foi a de explicar como a razão e o pensamento podem tornar-se mais fortes do que a vontade e controlá-la para que evite o erro.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">O problema do conhecimento torna-se, portanto, crucial e a Filosofia precisa começar pelo exame da capacidade humana de conhecer, pelo entendimento ou sujeito do conhecimento. A teoria do conhecimento volta-se para a relação entre o pensamento e as coisas, a consciência (interior) e a realidade (exterior), o entendimento e a realidade; em suma, o sujeito e o objeto do conhecimento.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Os dois filósofos que iniciam o exame da capacidade humana para o erro e a verdade são o inglês Francis Bacon e o francês René Descartes. O filósofo que propõe, pela primeira vez, uma teoria do conhecimento propriamente dita é o inglês John Locke. A partir do século XVII, portanto, a teoria do conhecimento torna-se uma disciplina central da Filosofia.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><br />
</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><b>Bacon e Descartes</b></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Os gregos indagavam: como o erro é possível? Os modernos perguntaram: como a verdade é possível? Para os gregos, a verdade era aletheia, para os modernos, veritas. Em outras palavras, para os modernos trata-se de compreender e explicar como os relatos mentais – nossas idéias – correspondem ao que se passa verdadeiramente na realidade. Apesar dessas diferenças, os filósofos retomaram o modo de trabalhar filosoficamente proposto por Sócrates, Platão e Aristóteles, qual seja, começar pelo exame das opiniões contrárias e ilusórias para ultrapassá-las em direção à verdade.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Antes de abordar o conhecimento verdadeiro, Bacon e Descartes examinaram exaustivamente as causas e as formas do erro, inaugurando um estilo filosófico que permanecerá na Filosofia, isto é, a análise dos preconceitos e do senso comum.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Bacon elaborou uma teoria conhecida como a crítica dos ídolos (a palavra ídolo vem do grego eidolon e significa imagem). Descartes, como já mencionamos, elaborou um método de análise conhecido como dúvida metódica.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">De acordo com Bacon, existem quatro tipos de ídolos ou de imagens que formam opiniões cristalizadas e preconceitos, que impedem o conhecimento da verdade:</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">1. ídolos da caverna: as opiniões que se formam em nós por erros e defeitos de nossos órgãos dos sentidos. São os mais fáceis de corrigir por nosso intelecto;</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">2. ídolos do fórum: são as opiniões que se formam em nós como conseqüência da linguagem e de nossas relações com os outros. São difíceis de vencer, mas o intelecto tem poder sobre eles;</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">3. ídolos do teatro: são as opiniões formadas em nós em decorrência dos poderes das autoridades que nos impõem seus pontos de vista e os transformam em decretos e leis inquestionáveis. Só podem ser refeitos se houver uma mudança social e política;</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">4. ídolos da tribo: são as opiniões que se formam em nós em decorrência de nossa natureza humana; esses ídolos são próprios da espécie humana e só podem ser vencidos se houver uma reforma da própria natureza humana.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Bacon acreditava que o avanço dos conhecimentos e das técnicas, as mudanças sociais e políticas e o desenvolvimento das ciências e da Filosofia propiciariam uma grande reforma do conhecimento humano, que seria também uma grande reforma na vida humana. Tanto assim que, ao lado de suas obras filosóficas, escreveu uma obra filosófico-política, a Nova Atlântida, na qual descreve e narra uma sociedade ideal e perfeita, nascida do conhecimento verdadeiro e do desenvolvimento das técnicas.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Descartes localizava a origem do erro em duas atitudes que chamou de atitudes infantis:</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">1. a prevenção, que é a facilidade com que nosso espírito se deixa levar pelas opiniões e idéias alheias, sem se preocupar em verificar se são ou não verdadeiras. São as opiniões que se cristalizam em nós sob a forma de preconceitos (colocados em nós por pais, professores, livros, autoridades) e que escravizam nosso pensamento, impedindo-nos de pensar e de investigar;</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">2. a precipitação, que é a facilidade e a velocidade com que nossa vontade nos faz emitir juízos sobre as coisas antes de verificarmos se nossas idéias são ou não são verdadeiras. São opiniões que emitimos em conseqüência de nossa vontade ser mais forte e poderosa do que nosso intelecto. Originam-se no conhecimento sensível, na imaginação, na linguagem e na memória.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Como Bacon, Descartes também está convencido de que é possível vencer esses efeitos, graças a uma reforma do entendimento e das ciências. (Descartes não pensa na necessidade de mudanças sociais e políticas, diferindo de Bacon nesse aspecto.) Essa reforma pode ser feita pelo sujeito do conhecimento, se este decidir e deliberar pela necessidade de encontrar fundamentos seguros para o saber. Para isso Descartes criou um procedimento, a dúvida metódica, pela qual o sujeito do conhecimento, analisando cada um de seus conhecimentos, conhece e avalia as fontes e as causas de cada um, a forma e o conteúdo de cada um, a falsidade e a verdade de cada um e encontra meios para livrar-se de tudo quanto seja duvidoso perante o pensamento. Ao mesmo tempo, o pensamento oferece ao espírito um conjunto de regras que deverão ser obedecidas para que um conhecimento seja considerado verdadeiro.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Para Descartes, o conhecimento sensível (isto é, sensação, percepção, imaginação, memória e linguagem) é a causa do erro e deve ser afastado. O conhecimento verdadeiro é puramente intelectual, parte das idéias inatas e controla (por meio de regras) as investigações filosóficas, científicas e técnicas.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><br />
</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><b>Locke</b></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Locke é o iniciador da teoria do conhecimento propriamente dita porque se propõe a analisar cada uma das formas de conhecimento que possuímos, a origem de nossas idéias e nossos discursos, a finalidade das teorias e as capacidades do sujeito cognoscente relacionadas com os objetos que ele pode conhecer. Seguindo a trilha que fora aberta por Aristóteles, Locke também distingue graus de conhecimento, começando pelas sensações até chegar ao pensamento.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Comparemos o que escreveu Aristóteles, no início da Metafísica, e o que afirmou Locke, no início do Ensaio sobre o entendimento humano.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><b>Aristóteles escreveu:</b></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Todos os homens têm, por natureza, o desejo de conhecer. O prazer causado pelas sensações é a prova disso, pois, mesmo fora de qualquer utilidade, as sensações nos agradam por si mesmas e, mais do que todas as outras, as sensações visuais.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><b>Locke afirmou:</b></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Visto que o entendimento situa o homem acima dos outros seres sensíveis e dá-lhe toda vantagem e todo domínio que tem sobre eles, seu estudo consiste certamente num tópico que, por sua nobreza, é merecedor de nosso trabalho de investigá-lo. O entendimento, como o olho, que nos faz ver e perceber todas as outras coisas, não se observa a si mesmo; requer arte e esforço situá-lo à distância e fazê-lo seu próprio objeto.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Assim como Aristóteles diferia de Platão, Locke difere de Descartes.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Platão e Descartes afastam a experiência sensível ou o conhecimento sensível do conhecimento verdadeiro, que é puramente intelectual. Aristóteles e Locke consideram que o conhecimento se realiza por graus contínuos, partindo da sensação até chegar às idéias.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Essa diferença de perspectiva estabelece as duas grandes orientações da teoria do conhecimento, conhecidas como racionalismo e empirismo.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Para o racionalismo, a fonte do conhecimento verdadeiro é a razão operando por si mesma, sem o auxílio da experiência sensível e controlando a própria experiência sensível.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Para o empirismo, a fonte de todo e qualquer conhecimento é a experiência sensível, responsável pelas idéias da razão e controlando o trabalho da própria razão.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Essas diferenças, porém, não impedem que haja um elemento comum a todos os filósofos a partir da modernidade, qual seja, tomar o entendimento humano como objeto da investigação filosófica.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Tornar o entendimento objeto para si próprio, tornar o sujeito do conhecimento objeto de conhecimento para si mesmo é a grande tarefa que a modernidade filosófica inaugura, ao desenvolver a teoria do conhecimento. Como se trata da volta do conhecimento sobre si mesmo para conhecer-se, ou do sujeito do conhecimento colocando-se como objeto para si mesmo, a teoria do conhecimento é a reflexão filosófica.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">A consciência: o eu, a pessoa, o cidadão e o sujeito</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">A teoria do conhecimento no seu todo realiza-se como reflexão do entendimento e baseia-se num pressuposto fundamental: o de que somos seres racionais conscientes.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">O que se entende por consciência?</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">A capacidade humana para conhecer, para saber que conhece e para saber o que sabe que conhece. A consciência é um conhecimento (das coisas e de si) e um conhecimento desse conhecimento (reflexão).</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Do ponto de vista psicológico, a consciência é o sentimento de nossa própria identidade: é o eu, um fluxo temporal de estados corporais e mentais, que retém o passado na memória, percebe o presente pela atenção e espera o futuro pela imaginação e pelo pensamento. O eu é o centro ou a unidade de todos esses estados psíquicos.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">A consciência psicológica ou o eu é formada por nossas vivências, isto é, pela maneira como sentimos e compreendemos o que se passa em nosso corpo e no mundo que nos rodeia, assim como o que se passa em nosso interior. É a maneira individual e própria com que cada um de nós percebe, imagina, lembra, opina, deseja, age, ama e odeia, sente prazer e dor, toma posição diante das coisas e dos outros, decide, sente-se feliz ou infeliz.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Do ponto de vista ético e moral, a consciência é a espontaneidade livre e racional, para escolher, deliberar e agir conforme à liberdade, aos direitos alheios e ao dever. É a pessoa, dotada de vontade livre e de responsabilidade. É a capacidade para compreender e interpretar sua situação e sua condição (física, mental, social, cultural, histórica), viver na companhia dos outros segundo as normas e os valores morais definidos por sua sociedade, agir tendo em vista fins escolhidos por deliberação e decisão, realizar as virtudes e, quando necessário, contrapor-se e opor-se aos valores estabelecidos em nome de outros, considerados mais adequados à liberdade e à responsabilidade.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Do ponto de vista político, a consciência é o cidadão, isto é, tanto o indivíduo situado no tecido das relações sociais, como portador de direitos e deveres, relacionando-se com a esfera pública do poder e das leis, quanto o membro de uma classe social, definido por sua situação e posição nessa classe, portador e defensor de interesses específicos de seu grupo ou de sua classe, relacionando-se com a esfera pública do poder e das leis.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">A consciência moral (a pessoa) e a consciência política (o cidadão) formam-se pelas relações entre as vivências do eu e os valores e as instituições de sua sociedade ou de sua cultura. São as maneiras pelas quais nos relacionamos com os outros por meio de comportamentos e de práticas determinados pelos códigos morais (que definem deveres, obrigações, virtudes) e políticos (que definem direitos, deveres e instituições coletivas públicas), a partir do modo como uma cultura e uma sociedade determinadas definem o bem e o mal, o justo e o injusto, o legítimo e o ilegítimo, o legal e o ilegal, o privado e o público. O eu é uma vivência e uma experiência que se realiza por comportamentos; a pessoa e o cidadão são a consciência como agente (moral e político), como práxis.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Do ponto de vista da teoria do conhecimento, a consciência é uma atividade sensível e intelectual dotada do poder de análise, síntese e representação. É o sujeito. Reconhece-se como diferente dos objetos, cria e descobre significações, institui sentidos, elabora conceitos, idéias, juízos e teorias. É dotado de capacidade para conhecer-se a si mesmo no ato do conhecimento, ou seja, é capaz de reflexão. É saber de si e saber sobre o mundo, manifestando-se como sujeito percebedor, imaginante, memorioso, falante e pensante. É o entendimento propriamente dito.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">A consciência reflexiva ou o sujeito do conhecimento forma-se como atividade de análise e síntese, de representação e de significação voltadas para a explicação, descrição e interpretação da realidade e das outras três esferas da vida consciente (vida psíquica, moral e política), isto é, da posição do mundo natural e cultural e de si mesma como objetos de conhecimento. Apóia-se em métodos de conhecer e busca a verdade ou o verdadeiro. É o aspecto intelectual e teórico da consciência.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Ao contrário do eu, o sujeito do conhecimento não é uma vivência individual, mas aspira à universalidade, ou seja, à capacidade de conhecimento que seja idêntica em todos os seres humanos e com validade para todos os seres humanos, em todos os tempos e lugares. Assim, por exemplo, João pode gostar de geometria e Paula pode detestar essa matéria, mas o que ambos sentem não afetam os conceitos geométricos, nem os procedimentos matemáticos, cujo sentido e valor independem das vivências de ambos e são o objeto construído ou descoberto pelo sujeito do conhecimento.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Maria pode não saber que existe a física quântica e pode, ao ser informada sobre ela, não acreditar nela e não gostar da idéia de que seu corpo seja apenas movimento infinito de partículas invisíveis. Isso, porém, não afeta a validade e o sentido da ciência quântica, descoberta e conhecida pelo sujeito. Luíza tem lembranças agradáveis quando vê rosas amarelas; Antônio, porém, tem péssimas lembranças quando as vê. Porém, ver flores e cores, perceber qualidades, senti-las afetivamente não depende de que queiramos ou não vê-las, como não depende do nosso eu percebê-las espacialmente ou temporalmente. A percepção de cores, de seres espaciais e temporais se realiza em mim não apenas segundo minhas vivências psicológicas individuais, mas também segundo leis, normas, princípios de estruturação e organização das coisas, que são as mesmas para todos os sujeitos percebedores. É com essa estruturação e organização que lida o sujeito. A vivência é singular (minha). O conhecimento é universal (nosso, de todos os humanos).</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Eu, pessoa, cidadão e sujeito constituem a consciência como subjetividade ativa, sede da razão e do pensamento, capaz de identidade consigo mesma, virtude, direitos e verdade.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Subjetividade e graus de consciência</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Embora a subjetividade se manifeste plenamente como uma atividade que sabe de si mesma, isso não significa que a consciência esteja sempre alerta e atenta. Quando, por exemplo, recebemos uma anestesia geral, vamos perdendo gradualmente a consciência, deixamos de ter consciência de ver, sentir, lembrar. Dependendo da intensidade da dose aplicada, podemos perder todas as formas de consciência menos, por exemplo, a auditiva. No entanto, mesmo a consciência auditiva, nessa situação, é fluida, não parece estar referida a um eu. Quando despertamos à noite, de um sono profundo e num local que não é nosso quarto, levamos um certo tempo até sabermos quem somos e onde estamos.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Quando devaneamos ou divagamos, ou sonhamos de olhos abertos, perdemos a consciência de tudo quanto está à nossa volta e, muitas vezes, quando “voltamos a nós”, temos um braço ou uma perna adormecidos, uma queimadura na mão, o rosto queimado de sol ou o corpo molhado de chuva sem que tivéssemos consciência do que se passava conosco. Situações como essas indicam que há graus de consciência.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><br />
</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><b>De um modo geral, distinguem-se os seguintes graus de consciência:</b></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">● consciência passiva: aquela na qual temos uma vaga e uma confusa percepção de nós mesmos e do que se passa à nossa volta, como no devaneio, no momento que precede o sono ou o despertar, na anestesia e, sobretudo, quando somos muito crianças ou muito idosos;</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">● consciência vivida, mas não reflexiva: é nossa consciência efetiva, que tem a peculiaridade de ser egocêntrica, isto é, de perceber os outros e as coisas apenas a partir de nossos sentimentos com relação a eles, como, por exemplo, a criança que bate numa mesa ao tropeçar nela, julgando que a mesa “fez de propósito” para machucá-la. Nesse grau de consciência, não conseguimos separar o eu e o outro, o eu e as coisas. É típico, por exemplo, das pessoas apaixonadas, para as quais o mundo só existe a partir dos seus sentimentos de amor, ódio, cólera, alegria, tristeza, etc.;</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">● consciência ativa e reflexiva: aquela que reconhece a diferença entre o interior e o exterior, entre si e os outros, entre si e as coisas. Esse grau de consciência é o que permite a existência da consciência em suas quatro modalidades, isto é, eu, pessoa, cidadão e sujeito.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Esse último grau de consciência, nas suas quatro modalidades, é definido pela fenomenologia como consciência intencional ou intencionalidade, isto é, como “consciência de”. Toda a consciência, diz a fenomenologia, é sempre consciência de alguma coisa, visa sempre a alguma coisa, de tal maneira que perceber é sempre perceber alguma coisa, imaginar é sempre imaginar alguma coisa, lembrar é sempre lembrar alguma coisa, dizer é sempre dizer alguma coisa, pensar é sempre pensar alguma coisa. A consciência realiza atos (perceber, lembrar, imaginar, falar, refletir, pensar) e visa a conteúdos ou significações (o percebido, o lembrado, o imaginado, o falado, o refletido, o pensado). O sujeito do conhecimento é aquele que reflete sobre as relações entre atos e significações e conhece a estrutura formada por eles (a percepção, a imaginação, a memória, a linguagem, o pensamento).</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><br /></span><br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><b>Convite à Filosofia</b></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><b>De Marilena Chaui</b></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><b>Ed. Ática, São Paulo, 2000.</b></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><b>Unidade 4</b></span><br />
<br class="Apple-interchange-newline" /><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;"><br /></span>Elídio Remígio Filhohttp://www.blogger.com/profile/01269614556676149130noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2656430184649437651.post-44493511793522359802011-03-18T09:51:00.000-03:002012-02-04T00:25:51.000-02:00Qual caverna?<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">..."Sócrates - Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar, ponto por ponto, esta imagem ao que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão na caverna, e a luz do fogo que a ilumina com a força do Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha idéia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Deus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a idéia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública."...</span><o:p></o:p></div>Elídio Remígio Filhohttp://www.blogger.com/profile/01269614556676149130noreply@blogger.com2